São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996 |
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Derrubar inflação é fácil, difícil é ajustar o governo
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
Derrubar a inflação inercial é um truque até fácil, diz ele. Difícil, mas indispensável para a estabilização, é o ajuste das contas públicas. Eis os principais trechos: * Folha- Como começou essa história de planos econômicos? André Lara Resende- O primeiro passo foi uma novidade teórica. A idéia que a inflação crônica era um processo essencialmente diferente tanto das inflações moderadas quanto das hiperinflações. A raiz dessa novidade teórica encontra-se em Mario Henrique Simonsen e foi desenvolvida, no início dos anos 80, no Departamento de Economia da PUC do Rio. Folha- E o que era essa novidade teórica? Lara Resende- A inércia inflacionária. Depois de algum tempo, a inflação crônica adquire uma certa inércia, pela qual os preços sobem hoje porque subiram ontem. Na essência deste fenômeno está o processo de indexação, seja legal, seja informal. Folha- Como isso se transformou em política econômica? Lara Resende- Tancredo Neves estava para se eleger presidente e nós, economistas de oposição, sabíamos que iríamos ser cobrados sobre o que fazer. Foi aí que o Chico Lopes (Francisco Lopes, atual diretor de Política Econômica do BC) lançou o artigo chamado "Choque heterodoxo", uma proposta de congelamento. Eu fiquei contra. Pérsio Arida também. O congelamento acaba com o sistema de preços e desorganiza os contratos. Daí a idéia de criar uma moeda indexada, para sair da inércia sem congelamento, como viria com a URV. Folha- Mas Tancredo não gostou. Lara Resende- É. Na formação do governo, Simonsen recomendou meu nome para o BC e o Tancredo vetou. Mas, bem mineiramente, pretendeu criar uma espécie de BC reserva. E mandou convidar a mim e ao Chico Lopes para a diretoria da Comissão de Valores Mobiliários. Nós não aceitamos. Folha- O senhor foi para o BC já no governo Sarney. Por que se optou pelo congelamento? Lara Resende- Já havia saído na Argentina o Plano Austral, que substituiu a idéia da moeda indexada pela tablita, a tabela de deflação que retirava a previsão de inflação embutida nos contratos e prestações. E com congelamento. Depois, na discussão do Cruzado, o então consultor jurídico, Saulo Ramos, sustentou que não era legalmente possível ter duas moedas legais ao mesmo tempo. E finalmente, alguns dias antes do lançamento do Cruzado, nós, os economistas, fomos ao Palácio do Planalto explicar o plano ao presidente e alguns ministros. E ninguém entendia nada do programa. Mas quando a gente falava de congelamento, todo mundo entendia e era a favor. Folha- E o congelamento tornou-se o ponto central. Lara Resende- Mas o ministro Funaro assumiu claramente o compromisso de que o congelamento não passaria de 90 dias. Perto do vencimento do prazo, cobrei dele, ele foi falar com o Sarney e voltou com outra história. Disse que não seria possível eliminar o congelamento naquele momento. E nunca mais falou disso. Folha- Nesse momento o senhor já desconfiava que o Cruzado poderia dar errado? Lara Resende- Acho que tive um mês de alegria com o Plano Cruzado. Tinha gente querendo propor o Prêmio Nobel para a equipe e eu comecei a ficar num constrangimento enorme. Era tão visível que meu pai me perguntou uma vez porque estava tão angustiado. Eu dizia: isso aqui vai ser uma crise brutal. Era um pesadelo. Folha- Por que o governo não se empenhou em controlar as contas públicas? Lara Resende- Houve uma interpretação equivocada. Imaginou-se que a desmontagem da inércia inflacionária fosse um substitutivo ao ataque às causas fundamentais -o déficit público, o desajuste fiscal, das contas do governo. Estava errado. Para nós, a estabilização traria apoio político e com isso se ganharia espaço para uma política fiscal e monetária austera e para a reforma de fundo. Folha- E por que não andou? Lara Resende- Tinha-se menos percepção da gravidade do déficit. As contas ainda eram precárias. E dentro do governo havia visões diferentes. João Sayad, por exemplo, sempre achou e ainda acha que déficit público não tinha essa importância. E como a inflação estava baixa, acreditou-se que ninguém precisava mais tratar de estabilização. Sarney queria um plano de metas. Verifica-se assim a previsão de Larry Sumers. Folha- Qual previsão? Lara Resende- Numa das primeiras exposições sobre a teoria da inércia, que eu e Pérsio Arida fizemos em Washington, em 1985, o economista Larry Sumers, hoje subsecretário do Tesouro dos Estados Unidos, disse o seguinte: isso é muito engenhoso, mas é um perigo; isso vai dar uma lição terrível para a sociedade e os políticos, a de que a inflação é algo que pode ser vencida sem nenhum ônus; no dia seguinte, todos estarão fazendo todas as irresponsabilidades, e dobrado. Tinha razão. Folha- O senhor deixou o governo ainda em 1986 e só voltou a participar de outro em 1994, com o Real. Por que? Lara Resende- Primeiro, não era um choque. No Real, tudo foi pré-anunciado e votado no Congresso. Depois, invertemos o formato. No Cruzado, entregamos a estabilidade de preços para depois tentar o ajuste fiscal. No Real, fizemos o contrário. Anunciamos como faríamos a estabilização, mas indicando que antes precisaria começar o ajuste fiscal. O que se fez com o Fundo Social de Emergência, uma pré-condição essencial. O Real é uma versão revista e melhorada, mais próxima da idéia original. Folha- Mas as contas do governo foram um desastre no ano passado. O Real não estaria no mesmo caminho do Cruzado? Lara Resende- É verdade que a política fiscal foi pior do que em 1994, apesar do aumento das receitas. Cresceram as despesas de pessoal e de juros. A situação agora está relativamente equilibrada, mas do ponto de vista fiscal não é confortável. E para ter estabilidade de longo prazo, é preciso trabalhar para ajustar as contas públicas e aumentar a poupança privada. Folha- Acha que todo mundo pensa assim no governo FHC? Lara Resende-O ministro Malan, Francisco Lopes, Gustavo Franco, por exemplo, têm total consciência disso. Texto Anterior: Encargos, alhos e bugalhos Próximo Texto: Conceição não choraria hoje Índice |
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