São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Financistas perdem o trono após o Real

MILTON GAMEZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Se antes do Real os executivos financeiros perdiam o sono por causa da oscilação frenética dos mercados, agora eles têm outro bom motivo para ficar insones: a estabilidade.
O fim da ciranda financeira e a quase que infalível previsibilidade das taxas de juro e de câmbio no médio prazo tiraram desses executivos a supremacia que tinham sobre os demais colegas de trabalho.
Afinal, fazer a gestão do caixa de uma empresa sob uma inflação de 40% ao mês é uma coisa. Com 0,5% (previstos para fevereiro, em São Paulo), é bem outra.
Hoje, mais vale uma boa política de produção e de vendas na mão do que duas HP 12C voando. Para quem não conhece, a HP 12C é a calculadora financeira mais usada no mercado.
"Com a economia estável, não existe mais aquele medo de perder 2% ao dia com a inflação. Por isso, não há mais tanta valorização do cargo de executivo financeiro", diz o consultor de recursos humanos Thomas Case, presidente do Grupo Catho.
"A globalização e o conseqüente aumento da concorrência estão exigindo das empresas mais eficiência e atenção nos custos de produção. Não dá mais para esconder deficiências industriais com ganhos no mercado financeiro."
Um forte sinal de que a sorte dos executivos de finanças está mudando para pior é a queda na demanda por tais profissionais, retratada nos anúncios classificados.
A pesquisa mensal do Grupo Catho em 13 jornais de oito capitais brasileiras detectou, em janeiro, uma queda de 37,1% nos anúncios de emprego para executivos financeiros, em relação ao mesmo mês de 1995. De 660 vagas anunciadas em janeiro do ano passado, as oportunidades caíram para 415 no mês passado. Nos 12 meses encerrados em janeiro, a queda acumulada foi de 6,5%.
Pode-se dizer, com propriedade, que janeiro não é um bom mês para esse tipo de comparação, graças às férias da população e à queda tradicional da atividade econômica. Só que, este ano, o mês de janeiro não foi tão desaquecido como nos anteriores. E a tendência, na verdade, é mais antiga.
Em todo o ano de 1995, a Catho contabilizou 7.794 anúncios de vagas para executivos financeiros para cargos de diretor, gerente e supervisor. Foi um número 4,2% menor que o de 1994 e 33% menor que o de 1993.
Se em 1993 essas vagas representavam 45,3% do total de anúncios, no ano passado elas caíram para 26,6%. Em contrapartida, as oportunidades oferecidas aos profissionais liberais subiram de 7,6% para 18,8% do total. As vagas de produção subiram de 25,6% para 29,1%. As de vendas e marketing, de 21% para 25,2%.
"Os classificados de jornais são um indicador importante, pois 14% das contratações, em média, são feitas por esse meio, principalmente nos níveis de gerência e de supervisão", diz Case.
A consultoria Arthur Andersen também detectou a tendência apontada pela Catho. No ano passado, segundo pesquisa da Arthur Andersen, a demanda por executivos na área financeira caiu 24,1% em São Paulo (979 vagas) e 7,7% no Rio de Janeiro (349). Na área de produção, subiu 74% em São Paulo (1.299 vagas) e 203,7% no Rio (246 vagas).
Reinado
Apesar da eloqência dos números, o presidente da seção paulista do Ibef (Instituto Brasileiro dos Executivos Financeiros), Rubens Tafner, não acha que acabou o "reinado" dos executivos especializados no manejo da HP 12C.
Para ele, o que está havendo é um processo natural de aumento na contratação de profissionais especializados em áreas anteriormente negligenciadas devido ao processo inflacionário.
O setor financeiro das empresas, diz Tafner, não perdeu importância após o Real. Ao contrário, ganhou mais responsabilidades -e, quem sabe, a queda nas vagas refletiria uma diminuição na rotatividade dessa mão-de-obra.
"O que mudou foi o perfil de atuação dos executivos financeiros. Antes eles ficavam mais concentrados na gestão do caixa, na tesouraria das empresas. Agora, podem se ater mais às outras áreas mais abrangentes, como planejamento estratégico e reestruturação do negócio", afirma Tafner.
Segundo ele, setores como o de compras, de contabilidade, de recursos humanos e até de processamento de dados caíram sobre a mesa dos diretores financeiros em companhias que entraram na onda da reengenharia e reduziram seus níveis hierárquicos.
Cabeça-de-bagre
Nesse processo, quem perde espaço são os executivos incompetentes, acrescenta o "head hunter" (caçador de talentos) Alfredo José Assumpção, da Financial Executives Search Associates.
"Quem está sobrando é cabeça-de-bagre, que sai da empresa e vai vender pizza, abrir uma franquia, aplicar no próprio negócio. Os demais executivos se atualizam e vão à luta", diz Assumpção.
Em tempo: ele próprio é um franqueado (da Real Vídeo), embora continue na ativa como "head hunter".
Para se atualizar, o executivo financeiro que quiser sobreviver num ambiente de estabilidade deve informar-se sobre as novas demandas na função, notadamente na área de financiamento de projetos, de comércio exterior e de operações estruturadas.
"As empresas vão ter de investir para crescer e, nessa hora, um bom executivo financeiro faz a diferença. Não basta mais ser um bom tesoureiro, tem de ser um bom negociador de financiamento de projetos", avisa Assumpção.
Outro ponto a favor é a crescente sofisticação dos serviços prestados pelos bancos. Derivativos, securitização de recebíveis e outros mecanismos de proteção ("hedge") e financiamento são cada vez mais comuns, lembra Tafner.
"Sempre há mercado de trabalho para quem entende dessas novas tecnologias financeiras."
Para quem não entende, segue a explicação: derivativos são contratos que derivam de determinados ativos. O contrato futuro de dólar é um exemplo.

Texto Anterior: Sul-africano denunciou preço de restaurante
Próximo Texto: Um "Oscar" para o governo FHC
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.