São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
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Frango na meta do Real

OSIRIS LOPES FILHO

Alguns ministros do Executivo aderiram à moda do transformismo. Está imanente nas posições que expõem a possibilidade de o país ficar sujeito a mutações constantes na sua ordem jurídica.
Não se trata mais de flexibilização, termo que me faz lembrar do hímen complacente das aulas de Medicina Legal, tamanha a sua acomodação transigente às introduções que se realizam. Considera-se a nossa realidade jurídica como dotada de infinita plasticidade. Numa terminologia televisiva da atualidade, ela "topa-tudo". Isso, na concepção ministerial.
A nova criação plástica é a introdução do "imposto ambiental" anunciado pela ministra Dorothea, alguns dias atrás, aqui na Folha. Tal imposto incidiria apenas sobre a gasolina e o óleo diesel, como forma de incentivar o uso de veículos movidos a álcool.
Consiste em mais uma demonstração de generosidade e nobreza de intenções da elite tecnocrática de Brasília, sempre pronta a legislar, corporificando a "diarréia legislativa", diagnosticada com propriedade pelo deputado Roberto Campos. Afora o odor, típico dessas produções, há uma reincidência perversa de transferir para o bolso alheio, diga-se, dos contribuintes, esse excremento de inventiva tecnocrática.
Há alguns obstáculos legais à execução dessa idéia. Dispõe o art. 155, parágrafo 3º da Constituição, que apenas os impostos de importação e de exportação e o ICMS podem incidir sobre derivados de petróleo e combustíveis, excluindo-se qualquer outro tributo.
Reconheço que falta tradição constitucional sedimentada no país. Não há respeito, principalmente das autoridades públicas, ao estabelecido pela Constituição. A própria orda de emendas constitucionais encaminhada pelo Executivo ao Congresso evidencia esse fato. Pela via parcimoniosa das emendas está a se fazer uma ampla reforma constitucional, interditada pela própria Constituição.
O Executivo atual tem tratado a Constituição como um periódico, com nova edição de tempos em tempos. Ignora o presidente FHC o seu juramento sagrado, realizado no Congresso, perante o povo brasileiro, "de manter, defender e cumprir a Constituição", previsto no seu art. 78. Infelizmente, o nosso Estado de Direito é tenro e conta, incrivelmente, com a complacência do presidente FHC na tarefa da sua erosão.
A criação do chamado "imposto ambiental" sobre diesel e gasolina é inconstitucional. Não apenas vulnera o art. 155, parágrafo 3º já citado, mas representa invasão da competência dos Estados-membros na disciplinação do ICMS. Configura, assim, atentado à autonomia dos Estados, consagrada na estrutura federativa.
Uma elevação das alíquotas do imposto de importação sobre o petróleo e seus derivados é possível. Entretanto, não se teria mais o pomposo "imposto ambiental". A exequibilidade dos seus objetivos seria problemática, pois cerca de 60% do petróleo consumido no país é nacional, portanto, fora de incidência do imposto de importação. Além disso, agrediria a diretriz de reduzir o denominado "custo Brasil". E seria um autêntico frango na meta do Real, pelo efeito inflacionário que acarretaria, elevando os custos de produção e transporte dos bens disponíveis no mercado. A ministra Dorothea é quase imbatível no surrealístico porraloquismo ministerial.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 56, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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