São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
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Microempresa pode não ser virtuosa

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A onda de multiplicação de gurus e modas na administração continua fazendo vítimas. Depois da subcontratação, da terceirização, da reengenharia, do "downsizing" e do pensamento lateral, entre outras novidades mais ou menos recentes, é a vez da "organização virtual" ficar na berlinda.
O virtual é virtuoso? Essa é a dúvida do artigo principal na edição de janeiro-fevereiro da "Harvard Business Review", posta por acadêmicos do Instituto de Administração, Inovação e Organização da Haas School of Business.
A questão mais ampla que afinal de contas fica no horizonte de todas essas novidades administrativas é a da crítica à burocratização excessiva da grande corporação.
Quase tudo o que se faz e vende como receita de sucesso vai no sentido de cortar, enxugar e flexibilizar. Caíram no esquecimento as velhas teorias de que eficiência e produtividade são resultados de ganhos de escala ou de que o capitalismo avança mais nos países onde se consolidam grandes empresas e conglomerados.
O artigo de Chesbrough e Teece tem o mérito de colocar em dúvida o consenso de que "small is beautiful" (pequeno é bonito). O aspecto "virtual" das empresas menores e mais flexíveis viria da sua capacidade de estabelecer redes ("networks"). Mas esses novos críticos afirmam que nem sempre o resultado é virtuoso.
As vantagens da empresa virtual aparecem em ambientes de inovação tecnológica acelerada (o caso clássico é o da IBM numa época em que o microcomputador abria novas oportunidades de mercado).
A grande empresa é não apenas mais lenta em perceber as mudanças, como tem dificuldade em manter motivados os seus quadros. O risco na empresa menor é maior, mas os pequenos empresários de alta tecnologia ficam mais próximos de oportunidades extraordinárias de lucros.
A crítica à organização enxuta e virtual torna-se possível quando se percebe uma contradição fundamental. Ser pequeno significa estar apto a formar mais redes e alianças estratégicas. Mas ser pequeno significa correr mais riscos e estar mais próximo de lucros extraordinários. Conclusão: com o tempo aumenta o conflito entre a vocação a compartilhar estratégias e o interesse em se apropriar ao máximo dos lucros. A dimensão virtual (ser pequeno e ter muitos aliados) deixa de ser virtuosa. Surge um "trade off" (uma compensação mútua) entre incentivos e controle que diminui as chances de sobrevivência da organização enxuta.
Na prática, o desafio central deixa de ser "descentralizar" e passa a ser encontrar o grau adequado de centralização. Organizações virtuais e empresas integradas seriam os dois extremos. No meio do campo estariam as várias modalidades de alianças empresariais.
Aliás, talvez não seja por acaso que, nos últimos meses, o panorama empresarial mundial tenha sido dominado muito mais por notícias de fusões e outras formas de aliança empresarial do que por histórias de sucesso de pequenos Davis ousados e gananciosos.
Um exemplo típico é a indústria do entretenimento e das comunicações. Antigamente a estratégia básica de uma multinacional era entrar num mercado e dominá-lo fisicamente. Agora formam-se alianças multinacionais, reunindo empresas com o mesmo foco, mas muitas vezes deixando a um sócio local a responsabilidade por entender o mercado.
Conclusão: não é o conceito de organização virtual que perde terreno, mas o preconceito de que apenas empresas pequenas, enxutas, flexíveis ou coisa do gênero sejam capazes de formar alianças estratégicas dinâmicas e eficientes.
A grande empresa também pode ser virtual. Nas palavras dos dois especialistas: "O desafio dos administradores é escolher a forma organizacional que melhor se adapta ao tipo de inovação que estão perseguindo". O "networking" (formação de redes) e os ganhos de escala, mesmo a nível global, não são incompatíveis.
Resta saber como identificar os vários tipos de inovação tecnológica. Há inovações autônomas, que ocorrem com alguma independência. E há inovações sistêmicas, que dependem da existência de um conjunto de inovações complementares. Quanto mais sistêmica a inovação em jogo, mais necessário o "networking" para viabilizar uma estratégia empresarial.
Mas, em muitos casos, apenas a grande empresa terá condições de implementar projetos com alto grau de dependência de inovações sistêmicas. "Small is beautiful", mas pode não passar disso.

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