São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
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Dissidente saudita quer asilo no Brasil

OTÁVIO DIAS
DE LONDRES

Em janeiro, o governo britânico tomou a decisão inédita de expulsar do Reino Unido o dissidente político saudita Mohammed al Masari, 49, a quem havia concedido asilo em abril de 1994.
Foi a primeira vez que o governo aplicou a cláusula do Ato de Imigração que permite a deportação de um exilado político para um terceiro país considerado seguro sem nenhuma explicação.
O caso adquiriu proporções de escândalo internacional depois que a imprensa britânica revelou que o governo teria agido sob pressão do governo saudita, importante parceiro comercial do Reino Unido.
A Arábia Saudita importa anualmente do Reino Unido produtos no valor de US$ 3,2 bilhões, em sua maioria armamentos.
O próprio governo acabou assumindo os reais motivos da expulsão. "Nós temos relações comerciais próximas com um país que tem sido objeto de constante crítica por parte do sr. Masari", disse à imprensa uma alta funcionária do Ministério do Interior britânico, Ann Widdicombe. "Temos enormes considerações a fazer no que diz respeito a exportações e empregos", afirmou.
Fundador do Comitê pela Defesa dos Direitos Legítimos, baseado em Londres, Al Masari é um dos principais críticos da monarquia da Arábia Saudita.
Ele deixou seu país em 1994, após cumprir seis meses de prisão. Em Londres, iniciou uma guerra de informação. Envia todas as semanas por fax para a Arábia Saudita cerca de mil mensagens com denúncias contra o governo.
Em entrevista à Folha, Al Masari disse que pretende, por meio de sua campanha de conscientização, derrubar a monarquia e transformar a Arábia Saudita num Estado islâmico democrático.
O dissidente está lutando na Justiça britânica contra a decisão do governo, mas, caso perca, já decidiu não aceitar a oferta de asilo feita pelo governo da minúscula ilha de Dominica, no Caribe, com cerca de 85 mil habitantes.
Seu destino poderá ser o Brasil. "É uma boa idéia pedir asilo ao Brasil", disse. "É um grande país, onde há liberdade e uma importante comunidade árabe."
*
Folha - Qual a sua reação à decisão do governo britânico de expulsá-lo do país?
Mohammed al Masari - Compreendo que o governo agiu sob extrema pressão por parte do governo saudita. Os dois países têm significativas relações comerciais, e isso foi usado para chantagear o governo britânico.
Folha - Por que o sr. decidiu se exilar no Reino Unido?
Al Masari - Devido à tradição democrática desse país, onde até mesmo críticos do Império Britânico tinham direito a asilo. Minha expulsão por interesses comerciais abre um precedente perigoso que coloca em risco toda a legislação de asilo do Reino Unido.
Se o governo mudar a lei e decidir só conceder asilo se a pessoa se calar, tudo bem. Mas, nesse caso, não teria vindo para cá.
Folha - Se o sr. for expulso, aceitará asilo em Dominica?
Al Masari - Não. É um país muito pequeno, onde minha segurança estaria em risco. Tentarei conseguir asilo em outros países. O Brasil é uma boa idéia. É um grande país, de 150 milhões de habitantes, industrializado, onde há liberdade e uma importante comunidade árabe. E não há tantos interesses comerciais com os sauditas.
Folha - Por que o sr. decidiu lutar contra o atual regime político da Arábia Saudita?
Al Masari - Porque é um regime feudal, tirânico e opressor. Ninguém tem poder além da família governante. Partidos políticos, todos os tipos de organizações e sindicatos são proibidos. Nenhuma organização social é permitida.
A corrupção, portanto, é indescritível. Na América Latina, imagina-se que de 5% a 10% dos recursos são desviados dos cofres públicos. Na Arábia Saudita, essa porcentagem chegaria a 50%.
Folha - Que nível de respeito aos direitos humanos existe?
Al Masari - Não há direitos humanos. Costumo dizer que as pessoas são tratadas como camelos.
São alimentadas, banhadas, têm casa. Mas o que faz um ser humano -liberdade de pensamento, organização e expressão- simplesmente não existe.
Folha - O objetivo do Comitê pela Defesa dos Direitos Legítimos é depor a monarquia?
Al Masari - Sim. Mesmo a transferência da coroa do rei Fahd para seu meio-irmão, o príncipe Abdullah, não mudará a situação. Eles vivem na Idade Média.
Folha - Que tipo de sistema político o sr. sugere para o país?
Al Masari - Pretendemos estabelecer um Estado islâmico democrático, com eleições, pluripartidarismo, independência judicial e respeito à Constituição.
Folha - O que significa exatamente Estado islâmico?
Al Masari - Um Estado islâmico é baseado na revelação. As leis e as penas são definidas de acordo com a interpretação de nosso livro sagrado, o Alcorão, e da Suna (preceito de obrigações de Maomé e dos soberanos ortodoxos).
No islamismo, não existe uma hierarquia religiosa. A diferença de opiniões e soluções é vasta e flexível. O homem comum pode defender seu ponto de vista e, se convencer as pessoas, elas o seguirão. Na vida privada, a decisão final é de cada um. Em questões relativas ao Estado, a palavra final deve ser do Parlamento.
Folha - O sr. critica o desrespeito aos direitos humanos na Arábia Saudita, mas no islamismo a pena de morte é admitida. Qual sua opinião sobre isso?
Al Masari - A pena de morte está prevista na lei islâmica e acredito que ela é adequada em certos casos. A Anistia Internacional considera a pena de morte desumana. Acho que, em alguns casos, é humana. Sou a favor, desde que o processo judicial seja correto.
Folha - O sr. também é a favor de punições como açoitamento e decepamento de mãos?
Al Masari - Sim, está previsto no Alcorão. É difícil definir o que é humano e o que não é. Prender alguém por dez anos pode ser desumano porque seu caráter se desintegrará. Então simplesmente aboliremos qualquer punição?
No islamismo, o açoitamento é comum e pode ser mais eficiente e rápido do que a prisão. Ser açoitado em público é uma grande vergonha, mas, após alguns dias, a pessoa estará recuperada e terá aprendido uma lição.

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