São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
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O Plano Real é assassino?

GILBERTO DIMENSTEIN

A melhor notícia sobre a violência no Brasil encontrei nas ruas de Nova York -nenhum fato chamou mais minha atenção desde que cheguei aos Estados Unidos.
Apesar do aumento da pobreza, os assassinatos em Nova York caíram pela metade (repito, metade) em apenas dois anos e continuam caindo a cada mês.
Essa taxa significaria algo como 109 vidas poupadas durante o Carnaval em São Paulo. Os 219 assassinatos dariam manchete nos principais jornais do mundo se aí estivessem guerreando, não comemorando.
Até ontem, não tinha descoberto um único lugar no planeta com tamanho massacre nesse período. Bate as regiões conflagradas na África, Ásia ou Europa.
Nem estou contando o resto do Brasil. No Rio, o comandante da PM considerou o Carnaval tranquilo, "apenas" 82 mortes; o secretário de Segurança, Hélio Luz, disse ser "baixo o nível de ocorrências".
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O governo paulista, curiosamente, joga parte da responsabilidade no Plano Real, culpando o aumento do consumo de bebida; mais gente está bebendo, ficam agressivas e, assim, matam.
Desculpe, mas, pelo jeito, são as autoridades que não estão sóbrias.
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A violência urbana brasileira é apenas e tão somente a consequência óbvia do descuido dos governantes, ausência de educação e crise social.
Portanto, tende a piorar. O esforço para o desarmamento da sociedade é pífio. É sabido que existe pouco policiamento e, para completar, a polícia é ruim, parte dela envolvida no crime organizado.
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Não há nenhum milagre nas ruas de Nova York. Caiu a criminalidade, em boa parte, porque a polícia melhorou e está mais presente nas ruas.
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Deram para as delegacias de Nova York uma autonomia jamais vista. Cada delegado é integralmente responsável por sua área.
Ao final do mês, uma listagem de computador informa quantos e quais crimes ocorreram em cada lugar. Em cima desses números, é cobrada a eficiência e produtividade da delegacia, como se fosse uma empresa que vendesse cosméticos ou lingerie.
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Decidiram combater pequenas transgressões que, até então, corriam soltas: pichações, andar de moto sem capacete, bêbado fazendo bagunça, mendigos agressivos, andar de metrô sem pagar.
Eles apostaram que, combatendo os pequenos atos, passariam para a cidade uma sensação de fim da impunidade -e, assim, inibiram crimes maiores.
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Uma pesquisa sobre as razões da criminalidade está em andamento Faculdade de Economia de Chicago, principal berço de prêmios Nobel de Economia do mundo -e justamente de um brasileiro, José Alexandre Sheinkmann, diretor da faculdade.
Usando fórmulas matemáticas, ele compara os crimes em bairros e cidades americanas, usando dados como renda, desemprego, evasão escolar, desestrutura familiar e até cor.
Os números que colheu fizeram com que levantasse uma hipótese: a pobreza não explica a criminalidade. Sua aposta em fase de investigação: é importante os padrões de conduta da comunidade, da família ou dos amigos, rejeitando a violência.
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No Brasil, o que se vê -e cada vez mais- é a banalização da violência.
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Está para sair no próximo mês uma pesquisa sobre alguns hábitos, inclusive sexuais, do homem americano médio. Mostra como, em alguns itens, somos diferentes.
Para ficar na média, o indivíduo teria transado, em sua vida, com um mínimo de cinco e o máximo de dez mulheres diferentes; uma cota que, no Brasil, seria cumprida apenas nos carnavais para um brasileiro médio.
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A pesquisa a ser publicada pela revista "Men's Health" (Saúde dos Homens) informa ainda que um americano médico é...
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1) Quem faz sexo sete vezes ao mês; dez minutos por vez.
2) Compra por mês quatro pizzas congeladas;
3) Assiste 28 horas de televisão por semana;
4) Toma 11 cervejas a cada sete dias;
5) Perde a virgindade aos 17 anos;
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Os militares brasileiros têm um privilégio profundamente injusto. Depois que morrem, a pensão fica para a mulher. Até aí, tudo bem. Mas, se a mulher também morre, fica para as filhas.
Quem conhece bem esse privilégio é o presidente Fernando Henrique Cardoso, cuja família, depois de tantos anos da morte dos pais, continua recebendo a pensão do Exército.
Está aí um bom encargo social a ser cortado.
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Pelo jeito com que setores do baronato estimulam a campanha para reduzir encargos trabalhistas, algum fervoroso da produtividade a qualquer custo vai acabar defendendo um inovação nas relações trabalhistas; inovação que foi moda até uma lei chamada Áurea.
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Como estudar um pouco de história não faz mal a ninguém, aconselho leitura de argumentos dos defensores da escravidão em nosso país. A abolição, juravam, prejudicaria a economia. Era a versão escravocrata dos fundamentalistas do "custo Brasil".
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PS - Como o presidente Fernando Henrique Cardoso é intelectualmente honesto, estou convencido de que ele, mais cedo ou mais tarde, vai se arrepender de sua campanha contra os direitos trabalhistas.
Afinal, ele preside um país campeão de má distribuição de renda, salários indigentes e proteção social mínima.
Essa moda vai acabar estimulando a criminalidade. Ao invés de diminuir o "custo Brasil", vai aumentar o custo de viver no Brasil.

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