São Paulo, domingo, 25 de fevereiro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mauá e o Real

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

A cada dia que passa, a imprensa registra um número crescente de empresas que vem sendo transferidas de proprietários brasileiros para sócios estrangeiros. Seria esse um indicador de incompetência do empresariado nacional?
Penso que não. Na verdade, devemos ter muita cautela ao responder essa pergunta.
Não há dúvidas que a abertura comercial e a globalização da economia vêm submetendo as empresas a um verdadeiro caldeamento. É igualmente verdade, porém, que a grande maioria vem elevando a sua capacitação tecnológica, embora acabem perdendo o jogo da competição no campo financeiro.
É impossível para elas se endividarem internamente com taxas de juros reais de mais de 30% ao ano quando os estrangeiros que as compram captam recursos externos a juros reais abaixo de 10% ao ano.
Aos compradores de empresas temos de acrescentar os que trazem recursos de fora para emprestar aqui dentro, para o próprio governo, que os contempla com as melhores taxas de juros do mundo.
O fenômeno não é novo. No tempo do velho Barão de Mauá (ver Jorge Caldeira, "Mauá", 1995) "os comerciantes com acesso a bom crédito londrino promoviam um instrutivo ciclo. Tomavam empréstimos a juros baixos na Inglaterra... e iam trocando as libras por mil-réis" (pág. 132). "Alguns decidiam colocar o dinheiro num circuito econômico registrado pelo governo" (pág. 241) -veja como a ciranda financeira é velha!
O fato de ser velho em nada diminui a gravidade do fenômeno. Afinal, as pequenas e médias empresas brasileiras, que hoje se transferem de mãos, respondem pela maior parte do emprego do país.
No momento em que elas são compradas, incorporadas, fundidas e encampadas por grupos maiores tem-se aí um sério comprometimento da sua capacidade de geração de emprego.
Num momento em que o país se debate para criar postos de trabalho, é lamentável ver boas empresas serem levadas à falência ou a incorporações cujo resultado final é a redução do emprego.
Mais grave ainda é assistir essas empresas serem pressionadas pela entrada de importados com 2% de tarifa aduaneira quando os seus produtos são usados por outras que têm até 70% de proteção alfandegária. É um inexplicável contra-senso.
Tudo isso compromete também o Plano Real. A lentidão do Congresso Nacional na aprovação das reformas econômicas aliada à pressão sobreposta à grande parte das empresas nacionais conspiram, neste momento, contra a sobrevida do plano.
Em favor do seu fracasso, como no caso de Mauá, há invejosos e interessados, pois a desordem monetária e a inflação galopante já serviram de fontes generosas do seu enriquecimento no passado.
O Poder Executivo e o Congresso Nacional vivem dias de enorme responsabilidade e precisam agir com rapidez para corrigir os desvios pendentes e a inércia crônica.
Passado o Carnaval e tendo finalmente chegado o início do "ano real", só me resta dizer: vamos todos trabalhar para consolidar o Real.

Texto Anterior: O louco e o idiota
Próximo Texto: DEPOIS DE ANOS; LEI DA VIDA; CONFRARIA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.