São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
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Leia a nota da Igreja católica

Leia a íntegra da nota divulgada ontem pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil):

Clamor por justiça e paz
"Grita a plenos pulmões, não te contenhas, levanta a tua voz como uma trombeta e faze ver ao meu povo a sua transgressão, à casa de Jacó o seu pecado" (Is 58,1)

Nós, os bispos da Presidência e Comissão Episcopal de Pastoral da CNBB, reunidos em Brasília, durante os dias 27 e 29 de fevereiro para nossa reunião ordinária, convidamos os católicos a viverem intensamente a Quaresma, em perspectiva pascal, como também convidamos a todos os cidadãos e cidadãs a refletirem conosco sobre a urgente necessidade de justiça e paz para a nação brasileira.
Retornamos a mensagem do Papa na abertura da Campanha da Fraternidade: "Vivei como irmãos e irmãs, deixando-vos conduzir pelo Espírito de Deus, rompendo com as cadeias do pecado e do egoísmo. Peço ao Todo-Poderoso que esta Campanha sirva como forte apelo a uma mudança pessoal e profunda de todos os cidadãos, a fim de que cada qual, vencendo o isolamento e o individualismo, saiba ser solidário com os demais: assuma o compromisso de empenhar-se, em espírito de autêntico serviço à Comunidade, na construção de uma sociedade justa e fraterna, segundo seus dons e suas responsabilidades" (Mensagem do Papa para a abertura da CF/96, 21/2/96).
A Campanha da Fraternidade é um grande instrumento para desenvolver o espírito quaresmal de conversão, renovação interior e gestos concretos como a verdadeira penitência que Deus quer de nós em preparação à Páscoa: romper os grilhões da iniquidade, libertar os oprimidos, repartir o pão com o faminto, abrigar os sem-teto, vestir quem está nu (cf. Is 58). O grande desafio que lançamos é de uma real articulação entre a fraternidade e a política, visando a profundas mudanças na maneira de conduzir nosso país, a começar por maior democracia e transparência no processo eleitoral que se aproxima.
Lembramos com muita dor os inúmeros fatos de violência que aconteceram no carnaval passado, e, mais do que isso, assassinatos sem conta e sem motivo e as chacinas diárias. A crescente desvalorização da vida humana nos deixa perplexos. Como ficar calados? Não dá para aceitar a violência como um processo natural, como uma epidemia incontrolável mais forte que nós!
Sabemos que a falta de ética e de solidariedade aceleram a descrença na vida e aumentam a espiral da violência. Precisamos de polícia mais democrática e dotada de mais recursos, de aplicação mais eficaz das leis, que dêem um basta à impunidade, e de uma ação judicial mais rápida, eficiente e justa.
Vemos o crescente desemprego como prova de que a política de globalização da economia tem falhas estruturais. É uma política que dia a dia vem excluindo uma massa considerável de cidadãos e cidadãs do processo produtivo e distributivo, carregando ainda mais as armas da violência. Não é justo que se roube o pouco dinheiro dos pobres aposentados, dos pequenos produtores e dos trabalhadores em geral para injetar no sistema financeiro, salvando quem economicamente já está salvo ou já acumulou ingentes riquezas através da fraude e do roubo. Basta de sacrificar vidas para salvar planos econômicos.
Preocupa-nos a falta de uma política adequada de reforma agrária e que a questão da terra esteja sendo tratada como caso de polícia. Nesse sentido, exigimos a aceleração dos esforços para uma solução justa dos conflitos agrários e a libertação imediata dos líderes do Movimento dos Sem Terra.
Tememos que essa situação vivida no país aumente a crise de confiança nas instituições constatada pelo Papa João Paulo II. Repetimos com ele: "É preciso reagir, baseando-se nos valores da honestidade, da retidão e da dedicação generosa ao bem-estar da Comunidade" (CF/96).
É neste espírito que convidamos a todos os homens e mulheres de boa vontade a realizarem uma verdadeira conversão. Conversão que se inicia numa nova consciência do compromisso pessoal e intransferível com a fraternidade e a solidariedade e que se expressa, visivelmente, nos compromissos que assumimos na sociedade: atos contra violência, campanhas pela demarcação das terras indígenas e por ampla reforma agrária, defesa intransigente dos direitos trabalhistas adquiridos, luta por uma política econômica que garanta o emprego e a dignidade dos brasileiros.
A nossa vivência quaresmal acelere o dia em que "justiça e paz se abraçarão", antecipando as alegrias da Páscoa da Ressurreição!
Brasília-DF, 29 de fevereiro de 1996.

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