São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
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Tucano usa estatal para beneficiar aliados

DENISE MADUEÑO
DANIEL BRAMATTI

DENISE MADUEÑO; DANIEL BRAMATTI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente da Telegipe (estatal de telecomunicações de Sergipe), Acival Gomes, admitiu que usa verbas politicamente.
Gomes, também presidente do PSDB no Estado, afirmou que só instala postos telefônicos que beneficiem os aliados do governador Albano Franco (PSDB) e do presidente Fernando Henrique Cardoso.
As declarações foram feitas durante entrevista à rádio "Progresso", de Lagarto (SE).
"Enquanto eu for presidente da empresa, as ações administrativas serão feitas em comum acordo com os aliados do governador Albano Franco", afirmou o tucano.
A fita com a entrevista foi obtida pelo deputado Marcelo Déda (PT-SE). "O PSDB está montando o partido no país à custa da máquina do Estado", afirmou.
O presidente do PMDB, deputado Paes de Andrade (CE), considerou "criminosa" a conduta do presidente da Telegipe. "Isso é abuso de autoridade em desfavor da liberdade do voto", afirmou.
Durante a entrevista, o presidente da Telegipe procurou explicar por que ainda não havia inaugurado o posto telefônico do povoado Brasília, em Lagarto.
Ele disse que não o inauguraria enquanto o presidente da associação comunitária, Valdomiro de Souza, permanecesse no cargo.
Souza impediu a instalação de uma placa com propaganda do governador e do prefeito José Ribeiro (PSDB) no posto telefônico. A obra foi construída em parceria entre a associação, o Banco do Brasil e a Telegipe.
Como punição, Gomes ameaçou transferir o posto para outro prédio, a menos que Souza perdesse o cargo para um aliado do prefeito tucano. O candidato de Gomes e do prefeito é Diógenes Batalha. A eleição para a presidência da associação será em junho.
Gomes confirmou ontem à Folha, por telefone, que deu a entrevista. Disse que precisava tomar uma providência contra um presidente de associação "que destratou o governador e o prefeito".
Ele reafirmou a intenção de retirar o posto se não houver uma mudança do presidente, mas insistiu ao repórter: "Meu querido, isso tudo não passa de politicagem".
Trechos
Leia os principais trechos da entrevista de Acival Gomes ao locutor Jorge Magalhães:
Jorge Magalhães - (...) Ontem eu ouvi uma entrevista sobre a questão do posto telefônico do povoado de Brasília. O que está acontecendo?
Acival Gomes - (...) No mês passado, quando o governador aí esteve para inaugurar uma série de empreendimentos da administração municipal, nós tomamos conhecimento que esse posto não havia sido inaugurado. Então nós combinamos com o prefeito que iríamos proceder a inauguração (...).
E qual foi a nossa surpresa quando o presidente da associação não permitiu que a secretaria de obras do município colocasse a placa para inaugurar com a presença do governador.
Achei isso um gesto deseducado do presidente da associação (...). Afinal de contas, quem comanda o sistema telefônico de Sergipe é a Telegipe, não é associação de moradores nenhuma, não é verdade?
Magalhães - Sei disso.
Gomes - (...) Se o Batalha realmente ganhar (...), a gente vai combinar com o prefeito para que a coisa fique como está (...). Agora, com o presidente atual, (...) se ele continuar presidente, o prefeito já garantiu que faria um novo prédio no povoado. E nós aí transferiríamos o posto telefônico da Brasília para este novo prédio.
Magalhães - Então seria desativado o posto telefônico que pertence à associação?
Gomes - (...) Não podemos admitir autoritarismo de quem dirige essas associações.
Magalhães - Estou com um ouvinte que quer fazer uma pergunta ao presidente da Telegipe.
Ouvinte - Eu gostaria de fazer uma pergunta com relação ao posto telefônico do Brasília e à entrevista de ontem, em que o sr. colocou que o deputado Jerônimo Reis (PMN-SE, secretário da Prefeitura de Aracaju e candidato à Prefeitura de Lagarto), por ter sido adversário, na eleição passada, do governador Albano Franco, que a Telegipe não atenderia em nada ao deputado (...). Somente seriam atendidos os pedidos de Lagarto, feitos por aliados do governador (...).
Gomes - Eu disse ontem e confirmo aqui. Enquanto eu for presidente da empresa, as ações administrativas serão feitas em comum acordo com os aliados do governador Albano Franco.
Ouvinte - Mas isso não é uma questão, por se tratar de uma empresa estatal...
Gomes - Quando eu fui oposição, nunca bati à porta de nenhuma empresa pública para pedir nada. Mas eu respeito muito o deputado Jerônimo Reis. Ele nunca veio pedir nada aqui.
Ouvinte - Por extensão, o sr. está atingindo todo o eleitorado que acompanhou Jerônimo Reis e votou contra o governador.
Gomes - Eu não estou atingindo nenhum eleitorado. (...) as ações administrativas são totalmente diferentes do atendimento ao cliente.
Ação administrativa é o seguinte: vamos supor que eu vá montar um posto telefônico aí nos povoados de Lagarto. Você não tenha a menor dúvida de que será via prefeito municipal, que é o aliado do governador Albano Franco e que votou no presidente Fernando Henrique Cardoso. Por que eu vou ter que prestigiar alguém que votou em...
Ouvinte - Vamos separar as coisas, rapaz. Você deveria gerir a empresa com responsabilidade e seriedade. Você está gerindo a coisa do lado político.
Gomes - Não tem nada de político.
Ouvinte - Onde é que fica o dinheiro gasto na construção do posto telefônico de Brasília, quer dizer, se o posto for desativado e construído outro para atender capricho do sr. e do prefeito? O outro posto vai ser destruído, é?
Gomes - O problema é do Fundec e da associação.
Ouvinte - E o compromisso do Fundec com a associação comunitária (...), onde é que fica isso?
O prefeito de Lagarto exigiu a colocação de uma placa, colocando o nome dele como se fosse ele que construiu o posto, quando, na verdade, o posto foi construído pela associação, com recurso do Fundec e do Banco do Brasil.
Como o sr. falou, se esse presidente continuar, o posto será desativado. O sr. está impondo a eleição de um presidente do agrado do prefeito. Onde é que fica o compromisso social da Telegipe?
Gomes - Magalhães (para o locutor), observe. A questão do Brasília não é política. Eu fui procurado pelo sr. Batalha, que não é do lado do prefeito, que não tem lado político.
Ouvinte - Tem, sim! (...)
Gomes - Nem Deus descendo do céu eu permitirei que essa associação continue administrando o posto telefônico de Brasília, a não ser que me tirem da presidência da empresa. (...)
Ouvinte - É por isso, Acival, que, a cada dia que passa, a gente se convence de que o serviço de telecomunicações no Brasil tem que ser imediatamente privatizado.
Gomes - (Risos)
Ouvinte - Porque, senão, fica entregue nas mãos de pessoas irresponsáveis como você.
Gomes - Olha, irresponsável é você, me respeite, viu?
(Segue bate-boca inaudível)
Magalhães - Acival, vamos à questão do PSDB.
Gomes - Observe, eu não costumo dar entrevistas para ser desrespeitado por um moleque desse tipo aí. E você permite que esse moleque fale aí na rádio. Me desculpe, mas muito obrigado e um grande abraço para você (desliga).

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