São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
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O salário mínimo não custa R$ 202 para a empresa

DEMIAN FIOCCA

No artigo de 31/1/96, citado anteontem pelo prof. Pastore, procurei desfazer o grave mal-entendido sobre a que se referem os cálculos que chegam a "encargos" da ordem de 102%. Pois parecia-me, como ainda me parece, existir em parte da opinião pública a impressão absolutamente equivocada e descabida de que, para pagar R$ 100 a um trabalhador, a empresa teria de desembolsar mais R$ 102 para o "governo".
Tomando o livro de Pastore como exemplo, mostrei o que significam na prática as porcentagens que, somadas, chegam a 102%. A tabela 1 lista os subtotais da tabela do prof. Pastore, reproduzida em seu artigo, anteontem. E a tabela 2 é a tradução exata da tabela 1 e, portanto, dos cálculos de Pastore, para o exemplo de um salário mínimo.
Assim, mostrei que os itens que podem ser reduzidos sem afetar o rendimento do trabalhador estão na casa dos 30% e não dos 100%. Como o economista e deputado Kandir, tenho defendido que a cobrança dessas taxas e contribuições sejam transferidas da folha de pagamentos para outra fonte de arrecadação, pois isso estimularia o emprego.
Sobre seu artigo de anteontem, cabe observar que o prof. Pastore comete uma incorreção no exemplo do jardineiro. O exemplo é de um trabalhador que recebia como autônomo R$ 1.100 por mês para trabalhar 5,5 dias por semana e seria registrado para trabalhar o mesmo período "a um salário equivalente à sua remuneração mensal".
Nesse caso, é incorreto somar como custo adicional para a empresa todas as porcentagens da tabela que acompanhou o artigo do professor. Pois, para chegar a 102%, é preciso somar 38,2% de "tempo não-trabalhado 1" (repouso semanal, feriados etc.), além do item D. Mas esses "encargos" estão incluídos no salário mensal, pago 12 vezes ao ano. Portanto, não se trata de um desembolso adicional para a empresa, como é, por exemplo, o 13º.
Assim, o registro desse jardineiro por um salário mensal de R$ 1.100 não custaria "mais de R$ 2.200 por mês", como afirmou Pastore. A empresa gastaria de fato R$ 1.608 ao mês, em média. E, desses R$ 508 adicionais, R$ 108 seriam recebidos em dinheiro pelo jardineiro, que ainda seria beneficiado por férias e abono de férias.
A Folha publicou em 4/2/96 tabela de técnicos do governo muito similar à tabela 2, com base na qual fiz os cálculos acima. Em ambos os casos, uma empresa gasta no total 46% a mais do que o salário mensal, tanto segundo os critérios do governo quanto os do livro de Pastore, "traduzidos" nas tabelas.
Em seu livro, Pastore não nega tais fatos, mas apenas dá maior destaque a uma outra conta. É comparando não o salário mensal, mas apenas uma parte dele (a considerada "trabalhada"), com o total gasto pela empresa, que o prof. chega a 102%. Isso corresponde, no caso da tabela 2, a comparar não R$ 100 com R$ 146, mas R$ 72 com R$ 146.
Supor que uma empresa gasta R$ 202 para pagar um salário mínimo seria um erro grosseiro. Teria sido lamentável se qualquer circunstância tivesse induzido o leigo desavisado a pensar assim, pois um alarmismo enganoso sobre o custo da contratação poderia inibir a abertura de novas vagas.
O importante é explicitar que em quaisquer cálculos que cheguem a 102% de "encargos" estão incluídos como "encargos" não só as taxas e contribuições (que somam, com o FGTS, 36%), como também os salários indiretos (13º, rescisão etc.) e, ainda, uma parte relevante do próprio salário mensal (os R$ 27,66 considerados como "não-trabalhados", na tabela 2).
Por fim, esclareça-se que essas considerações independem de qualquer discussão terminológica.
Ainda assim, vale observar também que, do ponto de vista conceitual, a definição de encargos sociais adotada pelo prof. Pastore é questionável. Pode-se rebater, por exemplo, a idéia de que o descanso semanal é um encargo. Ela implica supor que os empregadores pagam um salário mais alto porque a lei manda remunerar o sábado à tarde e o domingo.
É mais razoável supor, diferentemente, que ao contratar por um determinado salário a empresa já esteja calculando apenas o valor das 44 horas semanais. Como é o mercado, e não a lei, que determina o valor dos salários, é ilusório imaginar que uma eventual mudança na lei trabalhista pudesse aumentar a jornada de trabalho sem que os assalariados exigissem ganhar proporcionalmente mais.
O prof. Edward Amadeo, doutor pela Universidade de Harvard e que leciona na pós-graduação da PUC-RJ, discorda dos critérios de Pastore para definir encargos sociais. Segundo Amadeo, valores recebidos pelo trabalhador e direitos que ele goza diretamente, como férias, não são encargos.
Quanto a considerar inapropriado chamar de "encargo" valores que a empresa paga em dinheiro diretamente ao assalariado, aliás, o rigor e a sofisticação intelectual do prof. Amadeo apenas corroboram o bom senso.
Conceitualmente, a contabilidade do prof. Pastore é criticável, mas tem o benefício da polêmica.
Agora, que a empresa não gasta 102% a mais do que o salário mensal para cumprir a legislação trabalhista, e que as obrigações sociais propriamente ditas (taxas e contribuições) equivalem a 36% do salário mensal, estas são verdades matemáticas indiscutíveis.

Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

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