São Paulo, sexta-feira, 1 de março de 1996
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Ciclo Griffth ilustra a infância do cinema

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Diante de D.W. Griffith (1875-1948) não há um grande cineasta que não se sinta um anão. Foi assim com Eisenstein, Orson Welles, Jean-Luc Godard.
Será assim enquanto for possível ver seus filmes, como neste ciclo que a Sala Cinemateca inaugura hoje, "D.W. Griffith: Origens do Cinema Narrativo".
Lá estarão os velhos de guerra, de "O Nascimento de uma Nação" (1915) a "O Lírio Partido" (1919). Mas, desta vez, o inusitado vem de um lote de 33 curtas-metragens realizados entre 1908 e 1912 e doados no ano passado à Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro pela Embaixada norte-americana. Eles serão mostrados em quatro programas diferentes.
Os filmes precedem a montagem -introduzida para valer com "O Nascimento de uma Nação"-, mas justamente por isso servem para fixar a idéia de um cineasta invulgar.
A rigor, o cinema era qualquer coisa antes de Griffith pisar em um set de filmagem: uma curiosidade, uma diversão de feira, eventualmente um veículo que buscava prestígio transpondo para a tela óperas ou peças teatrais.
Mas quase ninguém sabia o que fazer com ele até Griffith -sulista, letrado e dramaturgo e ator frustrado- entrar para a Biograph, em 1908.
Sabe-se a reação dos atores, quando David Wark Griffith começou a cortar suas figuras acima dos joelhos. Sentiam-se mutilados, como se a imagem devesse sempre, e necessariamente, mostrá-los de corpo inteiro.
Essa foi apenas uma das inovações que introduziria e/ou sistematizaria até 1915, quando fez "O Nascimento de uma Nação" e fixou o cinema como arte com linguagem própria.
Nesse meio tempo, criou o primeiro plano, desenvolveu a montagem paralela, inventou gêneros e recursos narrativos, introduziu uma dramaturgia adulta (inspirada em Charles Dickens).
O ciclo de filmes curtos mostra a extensão do gênio de Griffith. Tome-se "The Broken Doll" (A Boneca Quebrada), onde uma garota índia, desprezada por sua tribo, torna-se amiga dos brancos. Quando os índios atacam um povoado, ela avisará os brancos.
Não chegará, porém, a se tornar uma heroína. Morre em seu canto, junto à boneca que ganhou de uma menina branca.
Como com frequência nos filmes de Griffith, a época é bem marcada e os estereótipos raciais, acentuados. Mas ele transcende esse limite, criando um quadro trágico que vai além do destino de cada personagem ao abordar o contato entre brancos e índios.
Esses pequenos filmes mostram ainda um sentido de ritmo raro, composições apuradas, distribuição exemplar da ação no tempo e no espaço.
Assim, os filmes que serão mostrados de hoje até o dia 10 estão longe de ser, apenas, um trabalho pioneiro (no sentido em que essa palavra serve sobretudo para confiná-los em um gueto). A emoção e a grandeza do cinema estão inteiras, ali. Nascendo, ainda, mas já plenas.

Ciclo: D.W. Griffith: Origens do Cinema Narrativo
Onde: Sala Cinemateca (r. Fradique Coutinho, 361, tel. 881-6542, Pinheiros, zona Oeste), de hoje a 10 de março
Hoje: às 17h, Programa 1 (10 curtas da Biograph); às 19h, Programa 2 (10 curtas da Biograph); 21h, "O Nascimento de uma Nação"

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