São Paulo, domingo, 3 de março de 1996
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Casamento e teste falsos são saída para Greencard

DE NOVA YORK

No submundo da imigração ilegal nos EUA, um truque é empregado apenas pelos portadores de HIV para obter o cobiçado Greencard (documento que dá direito a viver legalmente nos EUA): falsificar o exame de sangue.
Com o exame "limpo", o indivíduo dá mais um passo: frauda um casamento com uma americana, cujo preço é de, no mínimo, US$ 3.500, apelando para uma máfia especializada em fabricar matrimônios. Segundo a lei, quando um estrangeiro casa com uma americana, ele pode viver no país.
Se conseguir ultrapassar os questionários da imigração, provando que o casamento não é uma fraude, apresenta o exame de sangue e, enfim, ganha o Greencard.
P., mineiro de 37 anos, enfrentou todos esses obstáculos. Por ser HIV positivo, poderia, se quisesse, morar nos EUA se aceitasse assinar o "voluntary departure". Mas ficaria impossibilitado de voltar ao Brasil. "Não conseguiria sobreviver. Se fosse proibido de sair dos EUA, ficaria louco, entraria em depressão e terminaria morrendo."
A máfia dos casamentos conseguiu, por US$ 4.000, que uma lésbica virasse sua mulher por alguns minutos diante do juiz. P. teve que criar uma história de como os dois haviam se conhecido, tirar fotos do casamento e das férias que nunca existiram, abrir conta conjunta no banco e até comprar roupas para que ela ficasse mais feminina.
"Cheguei a ensiná-la como sentar e cruzar as pernas, dando um aspecto mais de mulher. Nas primeiras fotos que tiramos, ela parecia um homem. No dia da entrevista gastei US$ 99,99 num vestido florido e quase US$ 15 num sapato feminino porque ela só tinha calça jeans, botas e camisas xadrez."
Até agora o esforço e o dinheiro gasto valeram à pena. P. passou na entrevista e, daqui a um ano, terá que comparecer -com a mulher- para pegar seu Greencard.
J. tem 26 anos e vive com P. há oito. Ele também apelou para a máfia dos casamentos ilegais, mas não deu sorte. "Arranjaram para ele uma mulher ignorante que não se preocupou nem em aprender o nome dele todo", diz P.
Resultado: J. não passou na entrevista e começou a ser investigado. Há duas semanas recebeu carta da imigração com ordem de deportação. "A notícia nos abalou muito. Fiquei uma semana em casa sem conseguir trabalhar de tanta angústia. Mas não posso ficar deprimido para não abalar J. A saúde da gente depende muito do astral."
O casal pretende continuar no país, apesar da ordem de deportação. "Mandamos para o serviço de imigração o xerox de uma passagem no nome do J. com viagem marcada para o dia 2 de março. Mas vamos continuar aqui."
P. e J. apostam na ineficiência do serviço de imigração. "Se continuarem atrás da gente, nos mudamos. Eles nunca saberão onde estamos porque os contratos estão no meu nome", diz P. Apesar do risco da deportação, não se arrependem de terem tentado o falso casamento em vez do "voluntary departure". "Não temos estrutura para virar prisioneiros dos EUA", diz P.

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