São Paulo, quarta-feira, 6 de março de 1996
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'Filhos' da Xuxa viraram 'mamonetes'

GUGA STROETER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Eu debutava como turista em Paris, quando a octogenária madame Havelaque, proprietária do prédio, bateu desesperada à minha porta. Ela vinha debulhada em lágrimas, afogada num choro histérico e repetindo compulsivamente frases em francês: "Mataram três mil crianças no Brasil!!!".
Mais que depressa, saquei o telefone; a voz que me atendeu em São Paulo transbordava aquela alegria tropical peculiar da nossa alma deitada prazerosa e eternamente em berço esplêndido. E o bonachão disse, sorrindo: "Oh, não!! Mataram, sim, meia dúzia de crianças de rua, na Candelária".
Como explicar a chacina? E como explicar a Xuxa? Sim, a rainha-deusa dos baixinhos, a entidade mais amada pelas crianças do Brasil, chegou ao estrelato como atriz pornô, e culminou seu talento num longa em que afirmava seu amor incondicional à infância, praticando todas as modalidades de sexo com um pré-adolescente.
Tudo isso é apenas uma vereda perimetral para abordar o verdadeiro assunto deste artigo, ou seja, a carreira meteórica de nossos queridos Mamonas Assassinos.
Hospedei recentemente um catedrático da Universidade da Califórnia que aprendeu nos 70 a apreciar Caetano, Chico, Gil, Milton.
Sabendo-me músico e curioso por notícias da terrinha, perguntou sobre novidades dessa nossa música popular.
Antes da resposta, meu pequeno sobrinho, um nenê de dois anos, que ainda não consegue sequer balbuciar, cantou com a ênfase de um Pavarotti a música dos Mamonas que trata da suruba do português. Eu traduzi a letra desta e de outras das canções para o boquiaberto ianque. O pequerrucho prosseguiu a audição, orgulhoso, agora com a "melô do sabão cra-crá", aquela que não deixa os cabelos do "sapo" enrolar. Sim, meu sobrinho alucinado acabava de inventar uma nova e monstruosa espécie de batráquio, o sapo cabeludo.
A conclusão desse artigo é sucinta. Nossas crianças, que eram filhas da Xuxa, hoje são mamonetes. Eu, pessoalmente, gosto dos Mamonas. São alegres, são alto astral. E também porque como brasileiro sou pervertido e me divirto como um canalha ao ouvir um lactante, um bebezinho de chupeta na boca falando um monte de putaria.
Nosso privilégio é viver num lugar onde o sucesso das rádios prega a devassidão e a degenerescência, enquanto o brasileiro mais bem-sucedido no momento é o poderoso escroque, o cambista do paraíso Edir Macedo...
Quem sabe os Mamonas Assassinas foram uma encomenda psicografada do pai da psicanálise, um último recurso Kamikaze lançado por ele num mundo onde proliferam Prozacs e melatoninas?
Uma CPI dos Mamonas talvez descobrisse que o quinteto de Guarulhos é subsidiado por verbas do departamento secreto da sociedade internacional de psicanálise, sediada em Viena, com um único e simples propósito: confirmar a definição de Freud para criança. Hoje, mais do que nunca, a criança é um "polimorfo perverso".

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