São Paulo, quarta-feira, 6 de março de 1996
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Divisão do trabalho no seio do governo

SANDRA STARLING

Numa das versões de seu relatório sobre a reforma da Previdência, o deputado Euler Ribeiro registra uma "expectativa desfavorável de retração da massa salarial, frente ao processo de modernização tecnológica e de terceirização da economia".
Mais adiante ele cita Sulamis Dain, técnica do Ministério da Previdência e da Cepal, para quem "no mundo da flexibilização há perda de representatividade do vínculo de assalariamento formal como expressão das relações de trabalho". Essas são constatações, reveladoras de que o relator da reforma e o governo têm consciência de que há uma tendência à desregulamentação das relações de trabalho.
O contrato especial de trabalho firmado entre a Fiesp e a Força Sindical, é uma materialização dessa tendência. Curiosamente, quando o normal seria o governo se colocar contra um contrato abertamente ilegal e apresentar soluções construtivas para o desemprego, o que vimos foi o aplauso do governo à ilegalidade cometida.
Isto mostra que, antes de combater a tendência à desregulamentação das relações de trabalho, que aprofunda a exploração selvagem da mão-de-obra, o governo é o primeiro a estimular a ilegalidade, abrindo caminho para o estabelecimento de relações semi-escravistas. O pretexto para essas iniciativas é o "custo Brasil", como se aqui os salários do setor formal fossem altos, o que é uma ironia cruel.
As percentagens das obrigações e encargos sociais no Brasil podem até ser consideradas altas. Mas estes percentuais dizem respeito a salários tão baixos e a sonegação é tão frequente que os gastos com salários terminam sendo simbólicos.
Por outro lado, na proposta de reforma da Previdência, o governo propõe a adoção do tempo de contribuição como critério absoluto para a concessão da aposentadoria. O governo quer ser formal e rigoroso na concessão do benefício da aposentadoria e é muito informal quando se trata da exploração da mão-de-obra, e isto é revelador de intenções tenebrosas.
Pois ao mesmo tempo em que favorece a desregulamentação das relações de trabalho, o trabalho informal, sem carteira assinada, o governo finca pé no tempo de contribuição como critério para aposentadoria.
Isso mostra que o governo quer excluir do direito à aposentadoria uma considerável parcela dos trabalhadores brasileiros, aprofundando assim, de forma premeditada, o já insuportável "apartheid" social.
Entre os 11 milhões de aposentados de renda mais baixa (de um a cinco salários mínimos), 60% se aposentaram por idade, pois é justamente nesta área que as relações de emprego são mais frágeis e onde os efeitos da perversa combinação da política de desregulamentação das relações de trabalho com a eliminação do tempo de serviço, para efeito de aposentadoria, se fariam sentir de forma mais dramática, punindo os setores mais pobres.
Para se ter uma idéia, se a proposta de reforma do governo já tivesse sido aprovada, pelo menos 6 milhões de idosos estariam agora sem qualquer tipo de proteção previdenciária.
Se a essas ações governamentais se acrescentam a suspeita oposição da diplomacia brasileira às cláusulas contra o "dumping social" nas transações internacionais, propostas pela Organização Mundial do Comércio, e a insensata decisão do BNDES de financiar fabricantes de autopeças fora do território nacional (subvertendo completamente os objetivos dessa agência, concebida inicialmente para fomentar o desenvolvimento nacional), pode-se concluir que o governo pretende levar o Brasil ao Primeiro Mundo por meio do escravismo.
E também que há uma perfeita divisão do trabalho entre os diferentes ministérios: uns matam, outros esfolam. Esta é a apoteose neoliberal.

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