São Paulo, sexta-feira, 8 de março de 1996
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Demissão sem o FGTS

CELSO PINTO

Vem de uma área insuspeita uma sugestão polêmica para a reforma das relações trabalhistas: acabar com o acesso que o trabalhador demitido tem ao seu FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).
A sugestão parece perversa, mas tem uma racionalidade.
Seu autor é o economista Edward Amadeo, doutor em Harvard, professor da PUC do Rio, próximo ao PT e consultor informal do ministro do Trabalho, Paulo Paiva.
O fato é que, no Brasil, existe uma relação aparentemente paradoxal entre nível de atividade, rotatividade no emprego e pedidos de seguro-desemprego. A lógica diria que, quanto mais cresce a economia, mais empregos são criados. Portanto, cairia a rotatividade e o uso do seguro-desemprego.
Não é isso, contudo, o que indicam os números. Uma longa série estatística mostra que a relação é inversa.
Quando o país cresce (medido pelo nível de atividade da Fiesp), aumenta a rotatividade e os pedidos de seguro-desemprego.
Quando a economia encolhe, o emprego fica mais estável. Por quê?
A principal explicação, para Amadeo, deve ser procurada nas regras do FGTS.
Como a lei permite que o trabalhador demitido tenha acesso ao FGTS, torna-se interessante ao trabalhador, depois de algum tempo no emprego, ser demitido e usar o FGTS como uma complementação salarial.
Obviamente, o trabalhador só se anima a fazer isso quando o mercado de trabalho está aquecido e é possível trocar de emprego com certa facilidade.
A lei prevê uma multa de 40% para o empregador que demite sem justa causa, mas isso não chega a ser um obstáculo: é comum a prática do trabalhador demitido acertar com a empresa a devolução deste dinheiro.
É verdade que, em alguns casos, a própria demissão é fictícia. O empregado embolsa o FGTS e é imediatamente recontratado pela mesma empresa.
Amadeo parte do princípío, contudo, que o impacto desta regra sobre a rotatividade é real.
E traz um efeito negativo sobre a produtividade. Se o empregador sabe que o trabalhador vai ficar pouco na empresa, acaba não investindo em sua qualificação.
E o que oferecer em troca, como apoio, ao trabalhador demitido?
Amadeo argumenta que o seguro-desemprego, no Brasil, é uma proteção bastante razoável. Ele cobre 21 semanas no Brasil, enquanto nos Estados Unidos, por exemplo, ele cobre 26 semanas.
O salário do seguro-desemprego, equivalente a 1,5 salário mínimo, não é baixo em relação ao salário médio do país.
Razão pela qual, aliás, trabalhadores saem do emprego, quando o mercado está aquecido, não só para levantar seu FGTS como também para usar, durante algum tempo, o seguro-desemprego.
O que explicaria porque os pedidos de seguro-desemprego crescem quando a economia cresce.
A proposta do governo na área trabalhista tem caminhado em favor do contrato temporário, mais flexível e com menos custos para o empregador (eliminando, por exemplo, a multa de 40% na demissão).
Amadeo discorda. Acha que este caminho pode levar a um aumento da rotatividade, estimulando o empregador a contratar mais rápido em períodos de "boom" e demitir mais rápido na recessão.
Amadeo diz que o centro das mudanças nas regras trabalhistas deveria estar, ao contrário, em dar à empresa a oportunidade de não demitir e ao trabalhador a de não ser demitido.
Ele tem duas sugestões concretas.
A primeira é mudar a lei para permitir que, através de acordo coletivo, seja possível reduzir a jornada de trabalho, com uma redução equivalente na remuneração. A segunda, ligada a esta, é flexibilizar a jornada ao longo do ano.
Em várias indústrias existem períodos sazonais de maior e menor utilização da capacidade. A idéia seria permitir a redução da jornada, num certo período do ano, em troca de um aumento de horas-extras em outro período.
O pressuposto de qualquer mudança na área trabalhista é que seja coletiva, não individual e que seja acompanhada de absoluta transparência no acesso aos dados pelas empresas.
As vantagens, em compensação, valeriam para os dois lados.

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