São Paulo, sexta-feira, 8 de março de 1996
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Locupletemo-nos todos

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - A citação é conhecida. Um parlamentar perdeu a paciência numa votação que envolvia verbas e financiamentos, foi à tribuna e intimou a seus pares: "Senhores! Locupletemo-nos todos ou restaure-se a moralidade!". Ficção ou realidade, a advertência nela contida continua valendo.
Como sabemos, o atual governo é uma gentil mistura do PFL e PSDB. Os demais partidos que apóiam o governo vieram por gravidade, são cidadãos de segunda ou nenhuma classe na sociedade do poder, acionistas minoritários que não fedem nem cheiram nas horas decisivas.
Já lembrei aqui a história do lorde que recusou a frase do mordomo ("parece que vamos ter chuva, sir!"). O lorde não gostou e corrigiu: "Não, James, eu terei a minha chuva e você terá a sua chuva!".
No atual governo, o lorde é o PSDB. O mordomo é o PFL. Cada qual tem a sua chuva. O PSDB tem o Nacional, com R$ 5 bilhões tirados das escolas, dos hospitais, das estradas, da segurança, dos funcionários e dos aposentados para premiar a roubalheira de um grupo ligado pessoalmente ao presidente e desinteressado contribuinte de sua campanha eleitoral.
O PFL tem o Econômico, com rombo mais modesto, mas com o mesmo perfil de falcatrua. Lorde e mordomo ainda não se entenderam, mas evidente que se entenderão: na hora da chuva, ela molha os dois. A questão é dar um jeito para que a parte da mídia comprometida com o jornalismo investigativo não venha a saber como será feito o "locupletemo-nos todos".
Lembro o caso da escritura de um sítio não sei onde. A falta não era tão grave assim. Só um recurso para pagar menos imposto, coisa que muita gente faz. Contudo, não ficaria bem num candidato à Presidência da República. Depois de Collor, todos faziam questão de serem e parecerem varões de Plutarco. A estratégia do então candidato FHC foi simples: fazer a mídia esquecer o assunto. Generosamente, a mídia esqueceu. Como está esquecendo o Sivam, o caso do Pérsio Arida, do brigadeiro Gandra, a pasta rosa e outros. A ameaça de restaurar a moralidade foi afastada.

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