São Paulo, sábado, 9 de março de 1996
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Mulher tem mais direitos reconhecidos

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

As comemorações do Dia Internacional da Mulher fizeram com que a área jurídica retomasse os temas da discriminação por causa do sexo, o que subsiste no Brasil -entre outros males- com a violência, o salário inferior, a dupla jornada, impondo às trabalhadoras encargos dos quais os homens se livram sob o exclusivo argumento de serem homens.
Ainda há, neste país, muitas mulheres cuja infância e juventude constituem apenas um caminho preparatório para o casamento, no qual se dedicarão à importante, mas restritiva tarefa de cuidar da casa, deixando ao marido a condição de provedor dos meios financeiros para o sustento da família.
Ainda há, neste país, homens que, por serem provedores, julgam sua participação decisivamente mais importante. Contudo, a tendência aponta no rumo oposto.
A população das escolas, do primeiro grau à universidade, é no sentido de número cada vez maior de mulheres, superando os alunos do sexo masculino.
Trata-se de passo decisivo, conforme anotou Fernando Henrique Cardoso em fala desta semana. Núcleos tradicionalmente resistentes, como os militares, os magistrados, os religiosos estão tombando sob a avalanche das profissionais qualificadíssimas. Segmentos preconceituosos da sociedade são dominados.
Numa coincidência interessante, tomei conhecimento de acórdão recente, do 2º Tribunal de Alçada Civil (agravo 449.727-00/2) em que o juiz Carlos Ramos Stroppa tece considerações de denso conteúdo social sobre o problema da companheira, depois da separação. Para os operadores do direito o nome dado à companheira é concubina.
O juiz Ramos Stroppa pôs em questão, no seu voto, se a mulher que fez parte de "relação concubinária estável tem ou não direito ao equivalente ao de mulher casada", concluindo pela equivalência.
No caso concreto discutiu se o ex-companheiro, que recebeu ordem judicial de deixar a casa, depois que a união terminou, tem direito de pedir reintegração de posse do imóvel em que o casal morava, por ser seu usufrutuário vitalício.
Diz Stroppa que "a acepção de família é rigorosamente adequada ao concubinato estável". A família decorre da natureza e não da criação do homem. Portanto, conclui o mesmo juiz, "mais se justifica o prestígio da família, que não se constitui apenas pelo casamento, mas, também, pela simples união estável de um homem e uma mulher".
" Núcleos resistentes por tradição, como os militares, os magistrados e os religiosos estão tombando sob a avalanche de profissionais qualificadas"
O magistrado paulista sustenta tese relevante quando afirma que o novo tratamento dado pela lei fortalece -e não enfraquece- o casamento, porquanto "pode ser condicionado a pactos que desde logo regulam a relação patrimonial dos cônjuges".
Depois de esclarecer que o vocábulo "cônjuge" serve "igualmente para designar as partes do casamento e do concubinato", lembra que a relação concubinária só se dissolve, em definitivo, depois que uma sentença judicial assim o afirme.
Logo, conclui, até que isso aconteça, o ex-companheiro pedir a reintegração de posse é como se a pedisse contra ele mesmo. O homem sustentava, no agravo referido, que a ex-companheira continuava na casa como comodatária, ou seja, como beneficiária de empréstimo gratuito, feito por ele, titular do direito real sobre a casa.
O ex-companheiro não teve êxito, afastada vigorosamente sua pretensão pelo voto do juiz Carlos Ramos Stroppa, acolhido por seus companheiros da 6ª Câmara à unanimidade.
A decisão tem dois aspectos relevantes. Trata de união estável no exato sentido que lhe dá a Constituição Federal. Reforça a igualdade jurídica do homem e da mulher não só no casamento formalizado perante a autoridade pública, mas, pela união decidida voluntariamente pelos interessados, como se fosse apenas um contrato verbal. Precisamos desenvolver mais essa noção.

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