São Paulo, sábado, 9 de março de 1996
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Vargas e FHC

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Se há um denominador comum entre os filósofos (não me refiro a alguns espécimes nativos), se existe clichê na filosofia equivalente a "luxuriante vegetação" e "qual não foi a sua maior surpresa", acredito que seja a advertência lançada por um doutor da Igreja: "O sábio só ri tremendo".
O presidente da República é homem risonho, que ri com ou sem motivo, embora seu humor esteja passando por fase de baixo astral -segundo recente editorial da Folha .
Devemos concluir que o presidente ou não é sábio e ri sem saber de quê nem por quê, ou é sábio (como querem seus áulicos) e aí deve tremer em seus alicerces neoliberais toda a vez que pretende passar a impressão de que a vida nacional está hilariante.
Sua situação é delicada. Vargas entrou em depressão quando soube que um filho seu era sócio de Gregório Fortunato numa fazenda gaúcha. Foi nesse instante que ele próprio falou em mar de lama. A partir daquele momento desinteressou-se da luta. Sabemos hoje que ele teria condições político-militares para reagir, dar a volta por cima e permanecer na presidência.
Mas alguma coisa se quebrara dentro da velha armadura, nas entranhas do caudilho que amava o poder, mas tinha da honra pessoal uma noção e um rigor de tragédia grega. Preferiu o suicídio a conviver com a pergunta: "Como foi possível um filho meu comprar um campo com o Gregório?"
Vargas abriu seu governo, abriu o palácio, abriu todas as suas gavetas às investigações revanchistas de seus adversários. Saiu da vida para entrar na história como homem honrado. Os próprios adversários fizeram-lhe essa justiça. De quebra, ficou sendo o maior vulto de nossa história republicana.
O governo de FHC está em xeque. Não precisa (ainda) abrir suas gavetas e vísceras a um inquérito do Galeão -como aconteceu a Vargas. Mas a CPI é o caminho honesto e legal para que a nação possa fazer a FHC a justiça de lhe reconhecer a honradez. Torpedeá-la, como o governo está ameaçando, é colocar o presidente sob permanente suspeita em face da história.

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