São Paulo, sábado, 9 de março de 1996
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CPI não é golpe

ROBERTO FREIRE

A Comissão Parlamentar de Inquérito -popularizada pela sua sigla, CPI- é concebida por diversos segmentos ideológicos com representação no Congresso Nacional como sinônimo de instrumento para gerar crise ou derrubar governo.
Infelizmente, a CPI passou a ser encarada por muitos como uma espécie de cabo de guerra, um mero jogo de poder no campo da política, quando na verdade é um instrumento constitucional democrático e insubstituível na vida parlamentar.
Para muitos representantes da esquerda, e talvez mirando-se no exemplo que culminou com o impeachment de um presidente, a CPI é um momento de acerto de contas, um ato de oposição e, por isso, sempre a colocam na ordem do dia.
Setores conservadores, apostando na mesma lógica, atuam com sinal trocado: com o objetivo de defender interesses estabelecidos, resistem às CPIs, manobram, sempre imaginando fantasmas e crises de estabilidade.
Esses dois comportamentos, aparentemente tão díspares, mas ao mesmo tempo tão próximos em seus equívocos, não podem continuar prevalecendo, pois além de gerar confrontos inúteis acabam por bloquear prerrogativas do Congresso Nacional que são imprescindíveis a qualquer iniciativa que vise operar mudanças estruturais em nosso país.
Neste momento nos debruçamos sobre a viabilidade de uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Financeiro, cujo requerimento já conseguiu assinaturas suficientes para sua instalação no Senado Federal.
A perdurar as visões atomistas, a CPI, tão necessária frente ao descalabro do sistema financeiro nacional, poderá se converter em farsa e não trazer nenhum benefício nem à economia nem ao país. E muito menos aos partidos ou ao Congresso.
É deprimente quando vemos figuras proeminentes da política nacional recorrerem ao expediente da CPI na busca de uma espécie de acerto de contas com o governo Fernando Henrique Cardoso, como se este fosse o representante da plutocracia nacional e responsável pelas distorções que condicionaram historicamente o nosso sistema financeiro.
Também é lamentável que outras figuras políticas do mesmo porte, mesmo tendo à sua frente escândalos como o do Nacional e o do Econômico e sinais de debilidade de nossa instituição financeira maior, o Banco Central, bloqueiem a discussão do assunto como se varrer sujeira para debaixo do tapete garantisse estabilidade ou futuro promissor para a economia.
Nesse ponto acredito que o governo comete um erro grave ao deixar que a discussão sobre a instalação da CPI perca-se em alguns labirintos escuros que ainda habitam o campo da política, esta cada vez mais transparente e democrática. Devia, ao contrário, assumir a defesa da CPI publicamente, pois a rigor ela seria parte da grande discussão nacional sobre a reforma do Estado e não o seu ponto de estrangulamento.
E o poder público não pode tergiversar. Se queremos reformar as estruturas do Estado, precisamos, e sem vacilar, reformar as relações entre ele e a própria iniciativa privada.
É inconcebível, por exemplo, que continue a promiscuidade entre o Banco Central e o sistema financeiro privado, normalmente medida em bilhões de dólares. Além do mais, se há desmandos, no Estado ou fora dele, devem vir à tona.
Governo não pode temer CPI, a não ser que tenha algo a esconder. Mesmo com ele mantendo relação de oposição, o governo Fernando Henrique não se enquadra nesse figurino. Se contamos com um governo representativo e com credibilidade, não dá para imaginar que uma CPI dos bancos possa quebrar o sistema financeiro, como acreditam alguns.
A instabilidade será inevitável -aí sim- se quiserem ignorar e esconder a crise do sistema, pois a dúvida tomará conta da opinião pública. E um sistema financeiro submetido à dúvida nada mais é que um barco à deriva.

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