São Paulo, segunda-feira, 11 de março de 1996
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A ciência do brinde

HELCIO EMERICH

Dar um presente a um amigo ou parente não é algo muito complicado. Mas no mundo dos negócios, onde nenhuma atitude é absolutamente franca e honesta, o gesto de oferecer um brinde pode se tornar um problema.
Quando uma empresa dá uma caneta Roterball Montegrappa a um executivo de outra companhia, com o nome dele gravado a ouro, a intenção aparente é de agradar e criar simpatia.
Secretamente, porém, a expectativa é ver a caneta sendo imediatamente usada para assinar aquele contrato milionário. Se fosse vivo, Maquiavel adoraria trabalhar com brindes corporativos.
No momento em que as empresas começam a raciocinar cada vez mais em termos multinacionais, a seleção de brindes deixa de ser uma tarefa secundária para se transformar numa especialização que envolve até considerações de ordem cultural: dependendo dos hábitos e tradições deste ou daquele país, um presente errado pode ser recebido não como uma manifestação de amizade e respeito, mas como uma ofensa.
Oferecer um belo canivete a um homem de negócios do Japão, por exemplo, é um grave equívoco: para os japoneses, o canivete tem associações com suicídio. Na China, dar como brinde qualquer objeto fabricado em Taiwan é considerado politicamente incorreto.
Uma companhia da Europa com filial em Pequim resolveu presentear com relógios os seus executivos chineses e o primeiro desastre ocorreu logo na cerimônia de entrega: criou-se um grande mal-estar ao se insistir que os pacotes fossem abertos na hora, o que lá é considerado falta de educação.
Pior foi quando os funcionários, constrangidos, abriram as caixas e viram que se tratava de relógios grandes, de parede, tidos por eles como signo de infortúnio.
Em outros países, como o Kuait e Arábia Saudita, o ato de oferecer ou trocar brindes institucionais é um processo sofisticado e complexo, cercado de expectativas e até de um certo ritual, porque quem recebe não estabelece conotações com a idéia de que se quer influenciar alguém (o presente não tem sentido corporativo, é sempre uma cortesia pessoal).
Diferenças culturais à parte, a criatividade na produção ou na seleção do brinde é essencial para que ele funcione como gerador de imagem para a empresa.
Numa visita ao Reino Unido, um grupo de gerentes de uma companhia americana foi obsequiado com uma dessas espátulas para abrir cartas, um presente dos mais singelos. Só que o abridor vinha acompanhado de um certificado atestando que se tratava de um objeto feito à mão, com madeira rara procedente de uma antiga floresta onde Shakespeare costumava caminhar.
Apócrifa ou não, a história fez sucesso. Anos depois, quando os executivos ingleses retribuíram a visita nos EUA, encontraram vários certificados emoldurados na parede das salas dos seus colegas americanos.
Alguns consultores de empresas multinacionais costuma alertar seus clientes para a sutil diferença que existe entre um "gift" (presente como mera gentileza) e um "bribe" (presente que se oferece com a intenção de se cooptar alguém).
Em ambos os casos, é indispensável uma boa pesquisa prévia sobre o perfil de quem vai ser agraciado. Há até uma classificação sobre brindes de "baixo risco" e de "alto risco". No primeiro grupo, estariam as canetas (funcionam em qualquer língua e em qualquer cultura), as obras de arte, os objetos típicos etc.
No segundo, ficariam as bebidas alcoólicas (proibidas por algumas religiões), as flores (em muitos países elas têm um significado romântico, em outros só são oferecidas em cerimônias fúnebres) e os chocolates (quem não faz algum tipo de dieta nos dias de hoje?).

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