São Paulo, segunda-feira, 11 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A crise habitacional é a crise do Brasil

LAIR KRAHENBUHL

Sob a manchete "Dívida social brasileira alcança R$ 80 bilhões", a Folha de 8 de janeiro último reabriu o debate sobre um dos maiores desafios que o Brasil enfrenta para sair da miséria e do atraso sócio-econômico em que se encontra e para elevar a qualidade de vida e o bem-estar da população.
Segundo levantamento da Folha, as maiores dívidas acumuladas se concentram nas áreas de habitação e de saneamento básico. Pelos dados coletados, são necessários investimentos da ordem de R$ 50,7 bilhões para eliminar um déficit de 6,4 milhões de unidades habitacionais -3,3 milhões de moradias novas e melhoria em outras 3,1 milhões.
Mantido o nível de investimento aplicado na área em 1995, conclui a reportagem, o país levará 25 anos para suprir somente o atual déficit, sem levar em conta o crescimento populacional.
Há divergências quanto aos números do déficit habitacional, compreensíveis em função da ausência de estatísticas bem consolidadas sobre o assunto. Não há, no entanto, nenhuma divergência sobre quem são os credores dessa dívida: eles estão concentrados basicamente nas famílias de renda média-baixa e baixa, que não têm condições de acesso ao sistema de mercado que atende os cidadãos mais bem aquinhoados.
Vale a pena contextualizar a discussão, utilizando um conceito extraído do "Relatório sobre Desenvolvimento Mundial - 1990", editado pela Fundação Getúlio Vargas para o World Bank, que focaliza a questão da pobreza.
Diz o relatório que, "em boa medida, pobres são os que não consomem uma quantidade básica de água tratada e vivem em ambientes insalubres, com pouquíssima mobilidade e pouca comunicação com o meio exterior. Por isso eles têm mais problemas de saúde e menos oportunidades de emprego."
E é exatamente a inexistência de estímulos para a produção e de mecanismos de financiamento de infra-estrutura e de serviços públicos voltados à população de baixa renda, com a consequente redução da oferta de novas habitações populares, que disseminou pelo interior do país um processo crescente de favelização, antes restrito às grandes metrópoles.
As pesquisas do IBGE revelam, por exemplo, grandes taxas de favelização no interior e litoral do Estado de São Paulo: em primeiro lugar está Cubatão, com 29% de suas moradias situadas em favelas, seguido de Diadema, com 20%, e Guarujá, com 15%. No que refere ao município de São Paulo, estudos recentes da Fipe apontam um forte incremento da população favelada em comparação com a população total da cidade.
No documento "A Política Setorial do Governo Municipal para Habitação", de janeiro de 1995, consolidamos os dados da Fipe e ficou provado: comparando-se o período de 1980 a 1987 com o período de 1987 a 1993, nota-se uma diminuição do ritmo de crescimento da população do município de São Paulo, contra um crescimento de mais de 50% no total da população favelada.
Não é, portanto, o crescimento da cidade que está levando ao aumento do número de favelados, mas sim a produção insuficiente de novas habitações.
Uma outra prova do acerto desta análise pode ser encontrada em dados recentes da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano e da Fipe: o perfil de renda das famílias faveladas tem apresentado uma elevação significativa, decorrente principalmente do ingresso nas favelas de famílias com renda mais alta que não encontraram no mercado moradia condizente com a sua renda familiar.
Consciente deste que é um dos grandes problemas brasileiros deste final de século, o governo Paulo Maluf, por intermédio da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, tem desenvolvido algumas iniciativas promissoras.
A primeira grande experiência foi na verdade uma revolução conceitual. Na medida que nos aprofundamos na análise da questão habitacional, verificamos cada vez mais a necessidade de encará-la de forma multidisciplinar, principalmente acoplada à área de saneamento.
O problema não é só a oferta deficiente de novas moradias, mas a implementação simultânea de um conjunto de ações de saneamento básico.
Mais da metade da dívida social nessa área refere-se a moradias já construídas que não têm serviços de água, esgoto e coleta de lixo.
A segunda experiência é a implantação do Programa de Verticalização e Urbanização de Favelas, popularmente batizado de Projeto Cingapura, solução criativa do governo Paulo Maluf para a crise do padrão do financiamento do setor público federal na habitação.
O projeto, de custos muito baixos sem prejuízo de um padrão digno de qualidade, consiste na construção de prédios de apartamentos destinados às famílias na própria favela.
Não há transferências para outras regiões, não se perturbando, portanto, a vida profissional e social dos favelados. Além do mais, procede-se a uma melhora da infra-estrutura local. Esta é a grande novidade: integrar ao invés de segregar.
O Projeto Cingapura prevê a urbanização de 243 núcleos de favelas, atendendo 92 mil famílias, num total de 521 mil pessoas beneficiadas.
Por tudo isso, a administração Paulo Maluf tem uma das mais transparentes e realistas políticas habitacionais do país, somando, em perfeita harmonia, esforços do município, do Estado, do governo federal e de organismos internacionais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Texto Anterior: A arte de velejar
Próximo Texto: O preço do Nacional
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.