São Paulo, segunda-feira, 11 de março de 1996
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Pousa, presidente

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Fernando Henrique, como se sabe, gosta de viajar. A grife "tucano" nunca lhe havia assentado tão bem como agora. Não há mês que não levante vôo.
Procura-se pelo presidente em fevereiro e verifica-se que está em terras mexicanas. Busca-se sua excelência em março e constata-se que já está a caminho do Japão, no outro lado do mundo.
De permeio, uma visita a Brasília. Curta, curtíssima. Só o tempo de refazer as malas.
Ao contrário do que sugere a introdução, não se planeja tratar aqui da viajomania de Fernando Henrique. Disso já se falou à saciedade. Contra e a favor. Falaremos de algo bem mais grave.
A frequente exposição às nuvens exerce sobre os miolos do presidente um efeito perverso, inesperado.
Fernando Henrique começa a achar que o céu é, digamos, seu habitat natural. Ele pensa que é o próprio Deus.
O ato da aterrissagem é, no caso de sua excelência, algo esquizofrênico. Seu corpo fica como que dividido. Os pés tocam a terra firme, mas a cabeça mantém-se nas alturas. E de lá não sai por nada.
As consequências são trágicas. O presidente acha-se infalível. Considera-se absoluto. No nível atmosférico em que vive, não há espaço para contestações, não há lugar para contrapontos.
Súbito, divide-se a pátria em duas. Ou se está do lado do governo, ou se é um pária. Ou se apóia o real, ou se é fracassomaníaco. Ou se vota com o governo, ou se é traidor.
Muitos já se consideraram portadores do dom da infalibilidade. De Hitler a Fernando Collor. Sabe-se como acabaram, podando a própria vida ou escorraçados pela sociedade cujos anseios julgavam representar.
A trajetória do absolutismo não combina com o histórico de Fernando Henrique. Espera-se tudo do atual presidente, menos que se transforme em um Napoleãozinho dos trópicos.

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