São Paulo, terça-feira, 12 de março de 1996
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Vale o risco

ANDRÉ LARA RESENDE

É sempre bom olharmos para os lados quando estamos discutindo um problema que não nos é exclusivo. As falhas da fiscalização do Banco Central, embora não justificáveis, não têm a menor originalidade.
Houve problemas bancários e financeiros em quase toda parte nas últimas duas décadas: nos Estados Unidos, no Japão, na França, na Itália, na Suécia, na Rússia, e, como não poderia deixar de ser, na América Latina.
Inúmeros seminários e estudos têm procurado compreender o que esteve por trás de tantos problemas em ambientes tão diferentes e o que fazer para evitá-los.
Allan Meltzer, professor da Carnegie Mellon University, autor de importantes contribuições para a teoria monetária e financeira, acaba de publicar um trabalho onde afirma que apesar das diferenças institucionais e macroeconômicas é possível tirar algumas conclusões.
Segundo ele, nenhuma regulamentação e fiscalização do sistema financeiro foi capaz de impedir os problemas nos bancos e as perdas para o público. Em todos os casos foi difícil evitar que as perdas fossem transferidas para o Tesouro.
Sempre houve dificuldade para agir com a velocidade devida e intervir nos casos isolados. Na maioria dos países, entretanto, não foram poupados esforços e recursos para evitar que a crise financeira destruísse o sistema de pagamentos. Os custos sociais das crises sistêmicas são incalculáveis.
Não há, portanto, nada de original em nossos problemas. No caso específico do Banco Nacional, é o tamanho e a idade do prejuízo que o tornam espantoso. Uma vez revelado, entretanto, a atuação do Banco Central me parece ter sido rigorosamente correta.
Sem estardalhaço nem precipitação, mas com a discrição que se faz obrigatória nesses casos, negociou a venda dos ativos bons para reduzir o tamanho do prejuízo. A decisão de assumir os passivos descobertos é uma questão de julgamento sobre as implicações de não fazê-lo e transferir os prejuízos para os depositantes.
Ninguém está em melhor posição do que o Banco Central para julgar os riscos de uma crise sistêmica.
Mas é fundamental que se compreenda que a decisão de usar recursos do Banco Central para cobrir o déficit patrimonial do banco não é uma ajuda ao banco ou aos seus donos e administradores.
Trata-se de uma transferência de recursos públicos para os depositantes, que é justificável se julgada indispensável para garantir a credibilidade do sistema de pagamentos. São decisões difíceis, que envolvem tanto elementos técnicos e jurídicos, como uma avaliação das reações e das expectativas do público.
A instalação de uma CPI sobre o assunto é claramente inconveniente -estou de acordo. Deixe-se de lado o eventual caráter político oportunista da iniciativa. Há sempre o risco de que, sob os holofotes irresistíveis da CPI, a discussão de um tema técnico e delicado seja explosiva para a confiança no sistema financeiro.
Mas dado que a CPI foi aprovada, tenho dúvidas se o governo deveria trabalhar para impedir que ela se realize. A impressão de que há algo a ser escondido será inevitável. O ônus para o governo como um todo e para o Banco Central mais especificamente pode ser grande.
Se, ao contrário, a CPI servir para que o Congresso compreenda melhor o que está envolvido na atuação do Banco Central como regulamentador, fiscalizador e emprestador de última instância, muito se terá avançado para evitar novas crises financeiras e para garantir a estabilidade da moeda. Vale o risco.

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