São Paulo, terça-feira, 12 de março de 1996
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Outro caminho para as reformas

JOSÉ GENOINO

A crise desencadeada pelas fraudes nos bancos Econômico e Nacional precisa ser tratada com seriedade. As fraudes e a omissão na fiscalização do Banco Central devem ser punidas para que a impunidade não continue imperando, especialmente quando se trata de crimes de colarinho branco.
O melhor caminho para enfrentar essa crise é a instauração de uma CPI mista do Congresso, que tenha credibilidade para esclarecer os escândalos, apontar responsáveis e encaminhar soluções para o sistema financeiro e para o funcionamento do BC.
A CPI do Senado, que já teve seu requerimento formalizado, não pode ser objeto de mera pressão política contra o governo para servir ao jogo do "toma lá, dá cá" do fisiologismo, da barganha ou do revanchismo.
Se a CPI do Senado vier a funcionar, a sociedade e a oposição devem ficar alertas para que ela não sirva de pretexto para acordões entre o governo e sua base parlamentar. Pelo seu caráter restritivo, pode ter sua credibilidade questionada e servir para pequenas vinganças. Uma CPI para valer não pode se restringir à investigação só do Nacional e do Econômico e à gestão do BC no atual governo.
O governo, por seu turno, não pode sustentar a tese de que qualquer investigação atrapalha o processo das reformas. Com isso pode estar criando um anteparo protetor das fraudes do setor privado e da ineficiência de órgãos públicos. Deve-se perceber que uma CPI do sistema financeiro não põe em xeque o governo, pois não é ele que está sob investigação.
A atual situação não tem nada de similar com o episódio que resultou no impeachment de Collor. O momento exige responsabilidade e espírito público para que as instituições não sejam jogadas numa digladiação autofágica e o país na paralisia, com riscos à estabilidade econômica e política.
Por outro lado, a derrota do governo na reforma da Previdência é fruto de um processo que começou errado e pode terminar mal. O governo encaminhou uma emenda de forma unilateral, desconsiderando a incidência política que uma reforma como a da Previdência tem na sociedade.
Quando se deparou com dificuldades chamou as centrais sindicais para negociar, num processo já contaminado. O correto era o processo de negociação produzir uma emenda e não o contrário. O princípio da negociação entre governo, partidos e sociedade civil é correto.
Nesse sentido a CUT promoveu um avanço nas práticas políticas ao participar da negociação da Previdência. Mas o governo deveria indicar interlocutores sérios, capazes de sustentar os pontos negociados. As inabilidades do ministro Stephanes e a inconsistência do relatório de Euler Ribeiro desmoralizaram toda a negociação.
A derrota do governo deve ser creditada à ação da oposição, mas também ao fato de que ele foi vítima de sua própria prática e de sua base parlamentar. O governo adotou um caminho equivocado no encaminhamento das reformas, tanto no método como no conteúdo.
No método optou pelo unilateralismo, prescindindo da negociação no momento original do processo. No conteúdo as emendas do governo abrigam interesses corporativos dos grupos de pressão da base governista. Elas não partem do princípio da universalização de direitos e do corte radical dos privilégios.
O governo se vergou à tese da "reforma possível" e abdicou da luta pela "reforma necessária". Com isso tornou-se prisioneiro, a priori, das pressões dos grupos de interesse de sua base parlamentar. O impasse das reformas e a limitação de seu conteúdo podem ser creditados também ao Congresso que, em 1995, foi omisso, perdeu a capacidade de iniciativa e a oportunidade de promover um grande debate nacional sobre os destinos das reformas e do Estado brasileiro.
Para que a reforma necessária, capaz de democratizar e modernizar o Estado e de colocá-lo a serviço da cidadania, se viabilize é preciso trilhar outro caminho. O governo tem de ser menos arrogante, não tratando o Congresso como um poder subserviente ou como um estorvo.
A observância das regras do Estado democrático exige que o Executivo desenvolva um tratamento institucional com o Congresso, sem colocá-lo contra a parede junto à opinião pública. O Congresso, por seu lado, também não pode revidar cada crítica com a perigosa política da retaliação.
Nós da oposição defendemos reformas com outro conteúdo e com outros procedimentos. Na verdade o governo encarou as reformas como uma coisa privada sua e não como uma coisa de interesse público.
Nunca manifestou vontade política de fazer uma negociação séria com a oposição, que possibilitasse atender reivindicações desta. Se a prática do governo tivesse sido outra, consensos mínimos poderiam ter sido alcançados e as divergências poderiam ter sido disputadas abertamente, sem a prática do rolo compressor que caracteriza uma postura antidemocrática da disputa política.
Aliás, a contrapartida da prática do rolo compressor é uma base governista que se move pela política da barganha permanente junto ao governo que sustenta. Quanto à reforma da Previdência, se o governo quiser uma reforma efetiva e não um remendo, deveria zerá-la e abrir um novo processo de negociação onde todos os setores possam colocar suas posições na mesa de negociação.
As outras reformas pendentes também devem passar por processos de negociação mais sérios. Talvez hoje seja melhor para o país sacrificar a pressa das reformas em nome da negociação, capaz de produzir algo mais substancioso e estável para as nossas instituições.

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