São Paulo, quarta-feira, 13 de março de 1996
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A CPI dos bancos pode gerar instabilidade?

LUIZ GUSHIKEN

Nelson Rodrigues falava da dificuldade que todos temos em enxergar o óbvio.
Vejamos, então, o óbvio quanto à criação de uma CPI dos bancos: o governo não quer uma Comissão Parlamentar de Inquérito por medo de que altas autoridades venham a ser desnudadas em seus erros, omissões ou ilícitos e, portanto, o seu governo venha a cair em descrédito.
Outra obviedade: o sistema financeiro tem suas peculiaridades de mercado e uma instabilidade pode gerar graves prejuízos à economia de qualquer país.
Saber de antemão se uma CPI vai, de fato, trazer instabilidade ao nosso mercado é algo difícil de avaliar.
Por isso, impedir a sua criação sob a alegação de que teríamos uma celeuma no sistema financeiro do Brasil é jogar com a inocência da platéia.
A iniciativa de realizar tal CPI atende, além do mais, a uma vontade geral de penetrar no centro de um poder inescrutável e inigualável na República recente, que é o Banco Central.
A ausência -estimulada pelos banqueiros e pelo governo desde a promulgação da Constituição de 1988- de uma lei complementar que regulamente o sistema financeiro do Brasil é um absurdo inominável.
A inexistência de uma norma discutida e aprovada pelo Congresso, combinada com a arrogância dos técnicos do governo e uma geral e injustificável falta de transparência na maioria dos seus atos, confere ao BC poder extremamente concentrado em um setor altamente estratégico da economia nacional.
Vamos apenas a um dos muitos fatos que precisam ser esclarecidos: em depoimento no Senado Federal, no último dia 5, o presidente do BC, sr. Gustavo Loyola, afirmou que há apenas uma única instituição financeira beneficiada até agora pelo Proer -Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro.
Qual instituição? O Banco Nacional. De quanto foi essa ajuda? R$ 5,898 bilhões.
Afirmou ainda o presidente do BC que, em 5 de outubro passado, o próprio presidente da República ficou sabendo dos problemas no Nacional.
Como o Proer foi criado em novembro, ou seja, um mês depois da revelação do rombo no Nacional, e se só esse banco foi beneficiado por tal programa, não é de se desconfiar que o Proer tenha sido criado justamente para salvar esse banco?
E por que não houve punição dos responsáveis pelas fraudes em seu balanço? Será que a sociedade brasileira pode ficar sem saber sobre fatos dessa natureza, que envolvem dinheiro de todos os contribuintes e que são decididos entre quatro paredes, sabe-se lá com que interesses?
Episódios como a elaboração do Proer e o aporte de R$ 5,8 bilhões ao Banco Nacional; a descoberta de que o Nacional, por uma década, maquiou balanços impunemente; os nebulosos acontecimentos envolvendo a intervenção no Banco Econômico e sua relação promíscua com altas figuras da política nacional, revelada pela "pasta rosa"; o desvio de recursos da União para o recém-criado Fundo de Garantia de Créditos -fundo privado, gestado e gerido pelos banqueiros; o uso fraudulento das contas CC5 para remessas de dinheiro a paraísos fiscais; o vazamento de informações privilegiadas quando da mudança da banda cambial no ano passado; e outros mais, enfim, precisam ser investigados, e a CPI é talvez o único meio de que a sociedade dispõe para isso.
Até porque, se não sair essa CPI, poderá recair sobre a figura de FHC a desconfiança de que ele estaria pagando as faturas de sua campanha eleitoral, acobertando interesses bem próximos de sua administração.
Basta saber que os dois maiores financiadores de sua campanha eleitoral foram bancos -Bradesco, com R$ 1,8 milhão, e Itaú, com R$ 1,68 milhão. O ex-Nacional entrou com R$ 530 mil. O Unibanco, que incorporou a parte boa do Nacional, doou R$ 501 mil.
Além disso, com a divulgação de que o Nacional ficou por dez anos maquiando seus balanços de forma a transparecer uma solidez que não tinha, toda a sociedade começa a se perguntar se não há outros bancos na mesma situação.
Creio que o governo precisa dar essa resposta ao país e, desse prisma, a CPI pode vir a ser uma boa oportunidade para isso.

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