São Paulo, quarta-feira, 13 de março de 1996
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Motta 1º e único

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Era uma vez um rei (Luís 14) que disse: "O Estado sou eu".
Agora, sua majestade Sérgio Motta 1º (e único, espero) atualiza a frase. "O povo somos nós", disse Motta, se bem traduzida a sua avaliação sobre o Congresso, feita anteontem em Tóquio.
Para Motta, quem vota contra o governo, no Congresso, vota "contra o povo". Logo, a única tradução correta é "o governo somos o povo", certo?
Nesse ritmo, o Congresso é perfeitamente dispensável. Basta que alguém eleja um presidente da República e qualquer proposta que ele venha a apresentar terá de ser necessariamente aprovada pelos parlamentares, sob pena de irem "contra o povo".
Não importa que votar "contra o povo" signifique derrubar uma emenda que sua majestade Motta 1º considera "uma droga". O importante é que ninguém pode ter a ousadia de incorrer no crime de lesa-majestade, ou seja, suspeitar que o governo pode estar equivocado.
Um governo como o dos tucanos não se engana jamais, está sempre ao lado do tal de povo, sabe o que é melhor para o povo, concorde o povo ou não.
Uma visão condescendente da nova sociologia "mottiana" diria que foi apenas um escorregão de linguagem, efeito talvez do fuso horário.
Mas o mais razoável é supor que Sérgio Motta, mais do que a média de seus companheiros do tucanato, está tomado de apoteose mental.
Seu próximo passo, a menos que haja alguém com disposição para lhe dizer ao ouvido que está passando de todos os limites da razoabilidade, é juntar tudo num saco só e proclamar: "O Estado e o povo somos eu".
Aí, a Enciclopédia Britânica vai ter uma baita trabalho, porque seu verbete sobre absolutismo abre justamente com Luís 14 e a famosa frase "o Estado sou eu". Pobre monarca. Vai ter de ser transferido para algum outro verbete. Talvez "eu não era absolutista, mas só fiquei sabendo depois de Motta 1º".
Pena que seja tarde para salvar o descendente, Luís 16, guilhotinado pela Revolução Francesa.

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