São Paulo, sábado, 16 de março de 1996
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Apoio aos povos indígenas

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

A defesa e a promoção da vida e cultura das populações indígenas são um dever de cidadania e, mais ainda, de solidariedade cristã. Temos, com efeito, que reconhecer o direito de propriedade e a garantia de convivência pacífica daqueles que em primeiro lugar viviam nas terras do Brasil.
Nossa história, infelizmente, desde os tempos da colonização, ficou marcada pela atroz destruição das populações indígenas. Dos 5 milhões de índios distribuídos em cerca de 700 etnias aqui encontradas pelos portugueses, após cinco séculos de violência e destruição, restam hoje menos de 300 mil nativos pertencentes a 146 etnias. Temos todos diante de Deus uma um enorme dívida a resgatar para com os povos indígenas.
À luz da mensagem cristã, somos todos irmãos. Nosso dever primordial é de assegurar a todos as condições de vida digna e pacífica. Vale para os índios o grande anseio da Campanha da Fraternidade, de que justiça e paz se abracem.
Daí a necessidade para a igreja de empenhar-se mais na defesa dos direitos dos povos indígenas à própria sobrevivência física e cultural, respeitando suas características e contribuindo, com os valores cristãos, para seu pleno desenvolvimento.
Durante a Assembléia Constituinte, a igreja associou-se a outras entidades, apresentando centenas de milhares de assinaturas a fim de que o direito natural dos índios fosse garantido na Constituição. A vitória foi alcançada. O artigo 231 reconheceu aos povos indígenas o direito à sua identidade étnico-cultural e às terras tradicionalmente por eles ocupadas.
Parecia que se iniciava uma fase nova de respeito e promoção dos índios brasileiros. No entanto, as áreas indígenas não foram devidamente demarcadas. Houve morosidade e descaso por parte dos órgãos governamentais e pressão por grupos interessados nas terras.
Continuaram as chacinas, atos de violência e constantes invasões das áreas. Nesses mesmos anos cresceram, no entanto, a união e articulação dos povos a organizações indígenas no Brasil e o apoio da igreja e diversas entidades nacionais e internacionais.
Quando se esperava uma ação coesa e fraterna em bem da causa indígena fomos surpreendidos, a 8 de janeiro de 1996, pelo decreto presidencial nº 1.775/96 que concede aos Estados, municípios e "demais interessados" a contestação e impugnação dos limites das áreas indígenas já demarcadas.
O decreto abre, assim, a possibilidade de ocupação e posse de terceiros contra os direitos indígenas anteriores, coloca novos obstáculos à demarcação e levanta a presunção de que os atos praticados pelos governos anteriores sejam ilegítimos.
Enquanto isso, ficam sem atendimento as reivindicações de muitos grupos indígenas como os guarani-kaiowa, no Mato Grosso do Sul, que confinados em terras insuficientes viram vários de seus jovens optarem pelo suicídio. Os conflitos podem recrudescer. O decreto lança insegurança e tristeza sobre todos os povos indígenas.
Em apoio à causa dos índios, a CNBB acaba de apresentar à Presidência da República um documento (29/2/96) que, em base aos valores éticos, solicita a pronta revisão do decreto 1.775/96 para evitar suas consequências negativas e coibir abusos que daí podem surgir.
A Campanha da Fraternidade deste ano nos exorta a assumir o exercício da cidadania como compromisso cristão. Pertence, com efeito, à missão pastoral da igreja a defesa da vida e dignidade da pessoa humana.
Sentimos, assim, o dever fraterno de apoiar as organizações indígenas na defesa de seus direitos e, em especial, na justa e plena demarcação de suas áreas.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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