São Paulo, domingo, 17 de março de 1996
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Sem autonomia, BC não cumpre função

CARLOS ALBERTO SARDENBERG
DA REPORTAGEM LOCAL

O Banco Central do Brasil, se quiser ganhar eficiência, precisa de autonomia e de responsabilidade definida para poder agir independentemente de pressões políticas.
Essa é a opinião de especialistas ouvidos pela Folha, inclusive dos ex-presidentes do BC Affonso Celso Pastore e Fernão Bracher. Da mesma forma, todos concluem que é preciso mudar a supervisão do sistema bancário.
A proposta, conforme observa Pastore, pode parecer inadequada num momento em que o BC é justamente acusado de cometer falhas enormes.
Ocorre, entretanto, diz o economista Márcio Garcia, da PUC do Rio, que a causa primária dos problemas está exatamente na falta de autonomia em relação a governos.
Banespa
O maior exemplo disso é o caso do Banespa, um banco que, tecnicamente, está quebrado desde o final dos anos 80. E vem sendo sustentado com dinheiro público.
Um banco quebra quando não recebe os empréstimos que concedeu. Fica, assim, sem dinheiro para pagar seus depositantes.
Há dez anos, conforme indicam seguidos relatórios do próprio BC, estava claro que o governo paulista não conseguiria pagar o que havia tomado emprestado do Banespa.
Ora, nota Pastore, quando o BC detecta um mau empréstimo, deve ter a autonomia para obrigar o banco a registrar aquela operação como prejuízo.
Em vez disso, o Banespa sempre registrou esses negócios como bons empréstimos, num jogo de cena do qual participaram governos, BC e auditores.
O Senado continuou autorizando o Banespa a tomar e a conceder novos empréstimos, fazendo sua parte numa operação política de salvar o banco do governador de São Paulo, qualquer que fosse ele.
Hoje, o Banespa está sob intervenção do BC, mas seu balanço de 1994 não foi publicado. O BC quer registrar o prejuízo e de novo esbarra em obstáculos políticos.
Também por razões políticas, o governo federal vai conceder uma generosa ajuda a São Paulo.
Em menor escala, foi semelhante o problema do Econômico. O BC conhecia a situação do banco há tempos. Mas o temor da reação política da Bahia atrasou a decisão.
Quando, finalmente, o BC decretou a intervenção, os baianos reclamaram porque sabiam que o presidente FHC poderia mandar o BC adotar qualquer solução.
E também por saber de sua falta de autonomia, nota Fernão Bracher, a diretoria do BC vacila e demora a agir. O resultado é sempre o mesmo: aumenta o tamanho dos problemas.
Para Bracher, a autonomia do BC deve começar pela definição de sua responsabilidade, a ser inscrita na Constituição: "manter o valor da moeda nacional".
Márcio Garcia acha que se deveria escrever "manter o valor do real"-só se poderia mudar a moeda com emenda constitucional.
A partir daí, o BC comandaria a política monetária e faria a supervisão do sistema financeiro, tomando as decisões necessárias. Poderia se recusar a injetar dinheiro em certas instituições, porque isso seria ameaça à inflação.
Hoje, o BC, a rigor, não tem função. A instituição está prevista no artigo 192 da Constituição, não regulamentado.
Cultura política
Ao lado da definição de responsabilidade, a nova legislação, para garantir autonomia, precisaria estipular que presidente e diretores do BC, aprovados pelo Senado, teriam mandato fixo.
O tempo do mandato não importa, acredita Márcio Garcia, especialista em política monetária. O importante é que o mandato do presidente do BC não coincida com o do presidente da República.
Assim, o presidente da República assumiria com uma diretoria do BC no exercício e só poderia indicar outra no meio do seu mandato.
Definido isso, tudo resolvido? Não, diz Bracher. A Alemanha já tinha BC independente na hiperinflação dos anos 20.
Estruturas rígidas ajudam, mas a coisa, no fundo, depende das condições e da cultura política. Uma sociedade precisa aprender a cuidar de sua moeda.

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