São Paulo, domingo, 17 de março de 1996
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No Brasil do real, intelectuais defendem banqueiros

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

É impressionante a extensão do leque que tem feito coro com o governo na tentativa de evitar que se instaure uma CPI para investigar o sistema financeiro.
Vai de políticos a intelectuais, todos com passado de "esquerda", todos sempre dispostos, em outras épocas, a denunciar a "festança" das elites financeiras, a citar Brecht, a apontar a promiscuidade de banqueiros e instituições públicas e a estufar o peito para pedir mais "transparência".
Agora, armados da mais clássica e ridícula retórica de políticos pequenos, dizem que investigar irregularidades de bancos só serve para "tumultuar" e é uma decisão "inconveniente".
É aceitável o argumento de que a criação da CPI foi movida por interesses políticos e pode ser utilizada para promover esse ou aquele parlamentar mais ou menos medíocre e criar problemas, até certo ponto, artificiais para o governo.
Mas, se é esse o preço a ser pago, é muito pequeno. Outros insistem que o custo seria maior: o próprio real seria posto em xeque.
Bem, se temos um plano de estabilização cujo sucesso depende do silêncio do Congresso e da impossibilidade de revelar fraudes bancárias e punir fraudadores, alguma coisa está errada.
Afinal, um dos pressupostos eleitorais do atual governo foi a renovação não apenas econômica, mas da cultura política e de alguns péssimos hábitos das elites e do Estado nacionais. Ou seja, prometeu-se levar adiante um processo que vem em curso nos últimos anos e que nada deveria bloquear.
Mas não. Estão todos preocupados com a "imagem" do Brasil no exterior, como se a podridão escondida fosse melhor do que a revelada. E que imagem?
A imagem do Brasil no exterior, queiram ou não, é de um país que joga futebol, pula carnaval, mata criança e destrói floresta. E isso continua com ou sem FHC.
É cômico ver parte da chamada "elite pensante" preocupada com o que os banqueiros internacionais vão pensar e com o que os investidores vão dizer de uma investigação promovida por um Congresso eleito democraticamente sobre fraudes bancárias cabeludas e já de domínio público.
Como se o capital fosse fugir daqui por causa de uma CPI, prática comum em diversos países de Primeiro Mundo (como gostam de falar), que vivem a expor suas irregularidades -e a puni-las, do Japão à Inglaterra.
Em vez de ficar a articular formas de sabotar a CPI, sob o argumento de que é politiqueira, deveriam essas supostas reservas de inteligência, independência e lisura nacionais se preocupar em dotar a investigação da necessária consistência, desejar, como diziam sorridentemente há pouco, que o país continuasse a ser "passado a limpo".
Mas isso agora não importa mais. Assume-se como verdade absoluta que CPI derruba moeda estável, luta-se por interesses obscuros, preocupam-se todos com uma imagem que não existe e chutam o Congresso e seu presidente como cachorro vadio.
É tudo muito estranho.

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