São Paulo, terça-feira, 19 de março de 1996
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A boca torta dos bancos

LUÍS NASSIF

No começo dos anos 80, vendiam-se como poupança títulos de capitalização cuja reserva matemática (parte poupada) mal chegava à metade do valor depositado. Milhares de consumidores eram enganados por essa esperteza.
Bastou a imprensa dirigir seu foco para a questão, analisar a estrutura de premiação e capitalização de cada plano, para que instituições se arriscassem a lançar planos mais defensáveis, que destinavam parcela maior à poupança.
Antes da tomada de consciência, seria desperdício, porque nem imprensa nem opinião pública saberiam diferenciar um plano do outro.
Vendiam-se planos de previdência privada com 20% de taxa de administração e remuneração da reserva matemática restrita a 6% ao ano. As aplicações rendiam até 40% ao ano, o banco repassava 6% e embolsava o resto.
Quando a imprensa passou a chamar a atenção do leitor, instaurou-se competição entre os bancos, que resultou na redução das taxas de administração e no repasse integral da remuneração das reservas para os clientes.
Critérios
De 80 para cá, a análise criteriosa da imprensa modificou o padrão de comportamento dos bancos, em relação aos investidores. Deixou-se de jogar na desinformação do correntista, aumentou-se a oferta de serviços e de comodidades em geral.
Em relação ao tomador de crédito, no entanto, a situação não se alterou. Na verdade, o vício de emprestar durante décadas para um único tomador -o governo- fez com que a maior parte dos bancos perdesse de vista o foco do cliente.
Esse processo foi agravado pelo enfraquecimento da figura do gerente. O gerentão, que dispunha de autonomia na sua agência, constituía-se na grande bússola dos bancos, para analisar clientes, fatores sociais não mensuráveis, identificar novos setores e as sim por diante.
Com a informatização, a concessão de crédito passou a ser informatizada e centralizada. Jogam-se no computador várias informações contábeis e cadastrais do cliente, e o computador responde se ele merece crédito ou não -independentemente de sua reputação, do seu setor de atuação, ou da maior ou menor criatividade de seu negócio.
Se Amador Aguiar tivesse se baseado nesses critérios nos anos 50, jamais teria se convertido no maior banqueiro do Brasil.
Seu crescimento fez-se em cima de pequenos empresários, em novos setores da economia -em detrimento dos cafeicultores, que dispunham de patrimônio, nome e cadastro.
Ilegítimos
Essa concepção burocrática da atividade bancária, numa ponta, emperrou a criatividade do setor. Na outra, fez com que perdesse sua legitimidade.
Pesquisa da Febraban -divulgada ontem pela Gazeta Mercantil- é sintomática, sobre a imagem dos bancos.
Os clientes consideram que não cumprem sua função social, que não são parceiros nas horas difíceis, e não correm risco de apostar em novos empreendimentos.
Consequência: quando estoura uma crise de liquidez, como a atual, os bancos passam a ser vistos como o inimigo público número um do país. E grande parte dos bancos dá motivo aos críticos.
Tratam clientes em dificuldades com profundo desprezo, são incapazes de qualquer avaliação que fuja da análise dos números frios dos balanços, e têm pânico de riscos.
Papel da imprensa
De que maneira a imprensa deveria atuar, para mudar esse perfil bancário?
Simplesmente informando adequadamente o público sobre a diferença entre bancos propriamente ditos e meros ganhadores de dinheiro.
Tratar cliente líquido é fácil. Conhece-se um banco pela maneira como ele se comporta com clientes em dificuldade.
Este é o momento adequado para se proceder a pesquisas de opinião, junto a inadimplentes, sobre a forma como foi tratado por seu banco.
De um lado, permitirá uma espécie de revanche dos oprimidos. De outro, permitirá ao público em geral conhecer a verdadeira face de cada banco -premiando aqueles que não colocaram de lado sua função econômica.

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