São Paulo, terça-feira, 19 de março de 1996
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A utopia morta

CLÓVIS ROSSI

Santiago - O presidente Fernando Henrique Cardoso andou atribuindo ao general Augusto Pinochet, ditador chileno entre 73/90, os méritos pela explosão econômica do país nos últimos anos.
É um raciocínio perigoso. No vestibular para a vida civilizada, o teste de credenciais democráticas deveria ser eliminatório. Quem tira zero nele nem deveria ser examinado nas demais matérias.
Mas, como esse raciocínio está caindo de moda, suplantado pela eficiência econômica, compare-se o desempenho do Chile na ditadura e na democracia.
Por qualquer critério que se meça, a média dos seis anos de democracia ganha da média dos 16 anos de ditadura. Crescimento econômico, por exemplo: Pinochet produziu a média anual de 3,5%, ao passo que a democracia fez quase o dobro (6,78%).
Vale idêntico placar para o investimento como porcentagem do PIB (soma das riquezas produzidas por um país), desemprego, aumento de salários etc. Mas o mais grave está em um indicador que, hoje, é menos valorizado do que o desempenho econômico, como se políticas públicas devessem servir apenas para lustrar as estatísticas e não para melhorar o bem-estar da maioria.
A ditadura foi, na prática, uma fábrica de transferir renda dos mais pobres para os mais ricos. Em 1969, última medição antes do golpe de 73, os 40% mais pobres ficavam com 19,4% da renda chilena. Em 88, já nos estertores da ditadura, tinham apenas 12,6%, enquanto os 20% mais ricos saltavam, no mesmo período, de 44,5% para 52,4%.
A democracia melhorou algo o cenário. A fatia dos ricos reduziu-se em 2,2 pontos do PIB e, a dos pobres, aumentou 2,5.
Ainda assim, nem sequer se voltou à situação pré-Pinochet. Situação que já era injusta o suficiente para que o eleitorado chileno entregasse o governo a Salvador Allende e sua promessa de mudar radicalmente as coisas. Pelo jeito, não foi só Allende que morreu na resistência ao golpe, mas também a idéia de uma maior igualdade.

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