São Paulo, terça-feira, 19 de março de 1996
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O risco de ser punido pela eficiência

NELSON DE JESUS PARADA

O ministro da Ciência e Tecnologia, José Israel Vargas, confirmou há poucos dias a determinação do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso em aumentar os investimentos nacionais em ciência e tecnologia à razão de 15% ao ano, até que atinjam, em 1999, o equivalente a 1,5% do PIB, contra os atuais 0,7%.
Cumpriria assim o que estabelece o Plano Plurianual de Investimentos (PPA): a elevação desses investimentos dos atuais R$ 4 bilhões para R$ 14 bilhões, em 1999.
A notícia renova as esperanças de que dessa vez o país conseguirá, de fato, transitar para um patamar de investimentos próximo ao dos países mais desenvolvidos. Deverá fazê-lo, segundo o ministro, com recursos do Tesouro Nacional, mas também com o concurso dos Estados, da iniciativa privada e de recursos externos. Os investimentos conjuntos dos Estados, ele prevê, deverão atingir 6% dos dispêndios projetados em 1999.
Ora, um exame no quadro vigente mostra que a Fapesp sozinha -que é apenas parte do Sistema Estadual de C&T em São Paulo- já investe hoje quase os 6% que seriam de responsabilidade dos Estados.
Em 1995 a fundação realizou investimentos diretos de R$ 223,5 milhões, dos quais R$ 24,7 milhões em bolsas de estudos e R$ 198,8 milhões em auxílios à pesquisa, que, somados às despesas de custeio e de investimento próprio, no valor de R$ 7,6 milhões, correspondem a 5,8% dos R$ 4 bilhões aplicados atualmente no setor.
Os investimentos foram garantidos pelos repasses mensais do Tesouro Estadual, a que a fundação constitucionalmente tem direito (1% da arrecadação líquida do ICMS), num montante de R$ 140 milhões em 1995, e por receitas próprias obtidas com o seu patrimônio. A propósito dos repasses, ressalte-se que, diferentemente do que vem ocorrendo com fundações de amparo à pesquisa em outros Estados, em São Paulo eles jamais sofreram atrasos e muito menos suspensões, independentemente de conjunturas econômicas mais delicadas.
Em função disso e da disponibilidade de receitas próprias, asseguradas pela administração eficiente de seu patrimônio em mais de três décadas de história, essa fundação sempre cumpriu rigorosamente os prazos estipulados para o desembolso de recursos de bolsas e auxílios à pesquisa. E vale observar que todas as solicitações de auxílios e bolsas, se têm mérito, são aprovadas.
Mais: no último ano a Fapesp investiu receitas próprias de maneira significativa em novos programas destinados a ampliar sua contribuição para o desenvolvimento científico e tecnológico de São Paulo. Entre eles estão os programas de Apoio à Recuperação e Modernização da Infra-Estrutura de Pesquisa; de Inovação Tecnológica, para apoiar parcerias entre empresas e instituições de pesquisa; de Apoio a Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes e de Melhoria do Ensino Público do Estado de São Paulo.
Julgamos tais informações de extrema relevância quando, a par da notícia alvissareira trazida a público pelo ministro Israel Vargas, temos percebido alguns movimentos no sentido de uma restrição de atuação no Estado de São Paulo das agências federais de fomento à pesquisa, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Capes.
A justificativa sugerida e nunca afirmada às claras seria a de que São Paulo, por contar com a Fapesp, prescindiria do apoio das agências federais.
É verdade que a ação dessas agências no Estado se reduziu muito nos últimos anos quanto aos auxílios, o que impeliu a Fapesp involuntariamente para a posição de financiadora quase exclusiva das atividades permanentes de pesquisa em São Paulo.
Mas elas têm ainda um peso decisivo na formação de pesquisadores de alto nível, garantida pelo sistema de bolsas de estudo. Tanto assim que, numa análise que fizemos no ano passado sobre o sistema nacional de bolsas de estudos, mostramos com dados do próprio CNPq que essa agência investira no Estado de São Paulo nada menos do que USŸ 215 milhões, do total de USŸ 340 milhões dispendidos com bolsas em 1994.
No mesmo ano a Fapesp investira nas bolsas perto de R$ 15 milhões. Os números falam por si.
Assim, parece-nos fora de propósito, justamente quando o governo federal revela intenção de ampliar os investimentos em C&T, idéias de retirada de um apoio de tal magnitude a um Estado onde estão concentrados 40% dos pesquisadores em atuação no país e que responde por mais de 50% da produção científica brasileira.
São Paulo não prescinde do apoio das agências federais. E sobretudo não pode ser punido em nome de uma eficiência que o singulariza.
Em vez disso, a relação de parceria e de contrapartida estabelecida entre as esferas federal e estadual para o fomento da pesquisa em São Paulo deve ser mantida e aprimorada.
Mais: ela deve ser estendida para os outros Estados, fazendo com que as demais fundações (ou fundos) estaduais de amparo à pesquisa possam, com o apoio irrestrito dos respectivos governos, cumprir os objetivos para os quais foram criadas.
Dessa forma a contribuição dos Estados brasileiros para que os investimentos nacionais em C&T saiam dos acachapantes 0,7% do PIB poderá ser bem maior do que a esperada pelo ministro Israel Vargas.

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