São Paulo, quarta-feira, 20 de março de 1996
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Conheça o pronunciamento do presidente

Leia o discurso de Fernando Henrique Cardoso.
Boa noite.
Na semana passada eu estive no Japão. Vi reafirmada a confiança que os países hoje depositam em nós. Eu queria dizer-lhes que sinto orgulho de ser brasileiro.
Tenho visto lá fora, não apenas no Japão, mas também em outros países que visitei, as consequências positivas da decisão que o povo brasileiro tomou de acabar com a inflação.
Além do respeito ao país, reacendeu o interesse e até mesmo o entusiasmo em conceder-nos financiamentos para projetos importantes e em dar ao Brasil um papel relevante nos investimentos internacionais.
Basta dizer que todas as empresas automobilísticas instaladas no país estão ampliando sua produção e suas instalações. E empresas até há pouco ausentes, como a Renault, a Mercedes, na fabricação de autos, a Honda e outras mais decidiram investir no país.
Tudo isso vai gerar empregos. Especialmente com a retomada das obras de energia, de telecomunicações e com o aumento da renda agrícola que esperamos para 1996. É um começo consistente de retomada do crescimento econômico e da luta contra o desemprego.
Mais importante ainda, os estudos de órgãos respeitáveis, como o IBGE e o Ipea, mostram que, pela primeira vez em muitas décadas, produziu-se uma verdadeira redistribuição de rendas. A participação da parcela mais pobre da população na renda aumentou 1,2%. Isso representa R$ 7,3 bilhões distribuídos entre 10 milhões de famílias. O consumo de alimentos subiu, em média, 30%. O consumo de proteínas aumentou. O de eletrodomésticos, também.
A contrapartida desses avanços será a necessidade de reestruturar muitas empresas. Os bancos, por exemplo, que lucraram em 1994 cerca de R$ 10 bilhões com a inflação, porque ganhavam com o dinheiro depositado em suas contas, perderam 96% deste ganho em 1995.
Esse é mais um exemplo de que a política do governo beneficia os pobres e não os ricos. As taxas de juros já caíram cerca de 50% nos últimos 12 meses. Isso vai beneficiar quem produz, e não quem especula.
Para garantir a estabilidade e alavancar o crescimento, qualquer país precisa ter um sistema financeiro sólido. Por isso nós queremos corrigir as distorções que existem em nosso sistema. Essa preocupação, aliás, não é só nossa. É de todos os grandes países do mundo.
Poucas pessoas estão bem informadas sobre duas medidas recentes que o governo tomou para fortalecer o sistema financeiro: o Proer e o seguro de depósito.
Algumas pessoas, mal informadas, outras de má-fé, dizem que essas medidas beneficiam os banqueiros. Estão erradas. O seguro-depósito foi criado para defender a sua conta nos bancos. A conta dos funcionários, dos trabalhadores, dos aposentados, dos empresários, enfim, de milhões de brasileiros que têm conta em banco.
Já o Proer foi criado para garantir um sistema financeiro saudável. O seu objetivo é facilitar a transferência do controle dos bancos em dificuldades para instituições mais competentes e sólidas. Com isso o banco pode continuar aberto, e o seu depósito é preservado.
De onde vêm os recursos do Proer? Eles vêm do próprio sistema financeiro, dos depósitos dos bancos junto ao Banco Central e não do Tesouro. Os recursos não são dados para salvar banqueiro falido, como alguns dizem. São empréstimos que pagam juros e só são concedidos contra garantias reais.
É, portanto, uma afirmação de má-fé dizer que o governo está tirando dinheiro da educação, da saúde, para socorrer banqueiros. Esse dinheiro não pertence ao governo e, portanto, não poderia ser usado para aqueles fins.
Quero dizer também que as fraudes, de que tanto se fala, foram apuradas por este governo, pelo Banco Central. E é novo que, no Brasil, uma administração tenha sido tão dura com os que desperdiçam ou desviam dinheiro de clientes. O governo expôs com clareza ao país o que aconteceu, enviou à Procuradoria os inquéritos para que a Justiça, com objetividade e rigor, defina a pena para os culpados.
O governo, por todos esses motivos, sente-se à vontade para falar ao país e para explicar seus atos. Não há escândalos a encobrir, nem pessoas a proteger.
A continuidade da boa administração, da lisura nos gastos do país, da respeitabilidade até internacional do Brasil requer que se mantenha o clima de tranquilidade e de compostura em que vivemos hoje. Requer que se corrijam distorções que vêm de décadas e que só com a queda da inflação foi possível enxergar e começar a corrigir.
Para que esse clima favorável ao país continue é preciso, também, que sejamos firmes na continuação das reformas.
Já colhemos os primeiros resultados da estabilização. Sua continuidade agora depende de alcançar-se o que os economistas chamam de equilíbrio fiscal. Ou seja, como o pai de família, não podemos gastar mais do que recebemos.
Agora, uma coisa é certa: dinheiro não se inventa. Ou melhor, quando alguém tenta inventá-lo faz a moeda falsa da inflação. Dinheiro se obtém produzindo, trabalhando e, no caso do governo, coletando impostos. Alguém sempre paga. E esse alguém é você, o contribuinte.
Eu vou mencionar o exemplo do funcionalismo federal. Em 1992, o gasto com o funcionalismo foi de R$ 14 bilhões. Em 1995, o governo gastou isso só para pagar os aposentados. Em 1966, só o pagamento dos aposentados poderá chegar a R$ 22 bilhões. E quem paga isso é você.
Por isso precisamos acabar com os gastos desnecessários, com os desperdícios e com os privilégios. Por isso o governo precisa que o Congresso aprove as emendas da Previdência, da administração e reforma tributária.
O que o governo quer com a reforma da Previdência?
Primeiro, corrigir injustiças e eliminar privilégios; segundo, criar condições para evitar o déficit público; por fim, assegurar que os aposentados, no futuro, continuem recebendo seus proventos com, pelo menos, o mesmo valor real de hoje.
Fiquem, portanto, tranquilos, aposentados e pensionistas. Seus direitos já adquiridos serão respeitados integralmente. E o governo atual (que não se beneficiará dessa reforma, pois seus efeitos serão de médio prazo) zelará para que no futuro você não perca com a volta da inflação, nem corra o risco de ter uma Previdência quebrada.
E eu pergunto: até quando você está disposto a pagar por privilégios?
Por que alguém no serviço público pode aposentar-se, como há casos, com a idade de 40 anos, recebendo salário integral e muitas vezes até mais do que quando estava em atividade, e você não?
Isso é justo?
É isso que o projeto do governo e o do relator, deputado Temer, desejam acabar daqui para a frente. Acabar com as injustiças, assim como todas as aposentadorias especiais injustificadas.
É justo que alguém contribua para a Previdência durante 15 anos e, depois, aposentando-se cedo, ganhe mais 20 anos sem trabalhar? E, ainda mais, cada vez que o funcionário fizer um curso e melhorar sua produtividade, é justo que o inativo tenha direito ao mesmo aumento, sem nada ter feito para isso?
É para corrigir essas injustiças que a reforma da Previdência está sendo proposta. É um primeiro passo para assegurar que, no futuro, continuará havendo condições para manter nossa moeda forte e para que haja menos desigualdade no tratamento dos brasileiros.
Depois dele virá a reforma administrativa. O propósito é o mesmo: permitir que o governo possa gerir com mais flexibilidade o pessoal administrativo. Embora respeitando, como se deve, os direitos e os interesses dos funcionários, vai coibir abusos, ociosidade e desinteresse no atendimento do povo. Mas vai também permitir que o governo possa premiar os bons funcionários, que são a grande maioria.
Em seguida virá a reforma tributária para cortar impostos de exportação, para aliviar a carga tributária dos agricultores, reduzir os impostos de importação de máquinas e sobretudo facilitar o combate à sonegação.
É por isso que estou tão empenhado nas reformas. Elas são necessárias ao país. Na campanha eu me comprometi com elas e recebi a maioria absoluta dos votos válidos. Agora eu quero cumprir a minha promessa.
É por isso que tenho, incessantemente, recorrido ao Congresso. Negociando democraticamente com o Congresso, com os partidos, com os sindicatos, com a sociedade brasileira.
Chegou a hora da verdade. Nós temos dois caminhos pela frente. Um, sem as reformas, é a volta ao passado que nós já conhecemos: de instabilidade, de clientelismo, de corporações privilegiadas e de inflação galopante. O outro, com as reformas, em que eu como você acreditamos, é a aposta no nosso futuro: na democracia, numa moeda forte, no crescimento da renda e na sua distribuição e no fim dos privilégios.
Eu confio no nosso Congresso. Eu confio em que ele saberá escolher o caminho das reformas, em sintonia com o desejo de mudança do povo brasileiro.
Muito obrigado.

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