São Paulo, quarta-feira, 20 de março de 1996
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Epitáfio para o sonho

CLÓVIS ROSSI

Santiago - Quando resolve mostrar as garras, o capitalismo é cruel com seus adversários ideológicos. Ou os elimina, inclusive da memória pública, ou os absorve a ponto de transformar revolucionários em inocentes poetas.
O Chile é, suspeito, a mais acabada demonstração desse fenômeno, talvez por ter sido o único país das Américas a tentar implantar o socialismo democrático (não confundir com social-democracia nem com o chamado socialismo real, da extinta URSS e satélites).
Foi no período 1970/73, sob o governo de Salvador Allende, que usou os recursos disponíveis na democracia dita burguesa para ensaiar a transição para um regime socialista. Talvez não fosse mesmo dar certo, sabe-se lá.
Mas era perigoso demais, pelo exemplo, e assanhou a burguesia local, que, com a ajuda dos dólares da CIA, derrubou o governo constitucional e levou Allende ao suicídio em pleno Palácio de la Moneda, a sede governamental.
Hoje, mesmo após seis anos de restauração democrática, la Moneda não guarda vestígio algum de Allende. Nem sequer uma tímida homenagem a um presidente que, afinal, foi eleito democraticamente e morreu defendendo as instituições.
Como se fosse pouco, o comunista de carteirinha Volodia Teitelboim, secretário-geral do PC chileno até recentemente, conseguiu mais de uma página de espaço no conservador "El Mercurio", o jornal por excelência da burguesia (aliás, um dos que a CIA financiou nos anos 70).
Dividiu o espaço com o mago do surrealismo francês André Breton, sob o título "Breve história de dois sonhadores". Volodia foi tratado acima de tudo como poeta, com apenas breves menções à militância, embora tenha passado 46 de seus 80 anos, completados domingo, como comunista de carteirinha, odiado, como todos eles, por "El Mercurio".
O texto até admite que tanto Volodia como Breton buscaram "ajudar os desvalidos. Pelo menos, ajudá-los a sonhar". É elogio tardio ou apenas epitáfio para o sonho que acabou?

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