São Paulo, quarta-feira, 20 de março de 1996
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Haja paz

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Continuo a nada entender de política. E a lamentar aqueles que a entendem. Temos agora o caso da CPI dos bancos, que devia ser um instrumento da sociedade, por meio do Congresso, para apurar o crime que provocou um rombo de bilhões de dólares.
Leio nas folhas que o senador Sarney patrocina a CPI para desforrar atitudes que o atual presidente da República teve em relação a ele, Sarney. O presidente de hoje pagará ao presidente de ontem os agravos do passado.
Pior do que a motivação de Sarney é a sutileza estratégica de FHC, digna de um intelectual de seu porte -aliás, os dois são intelectuais, um motivo para que eu me mantenha cada vez mais afastado da classe. O governo vai tentar o suborno mais descarado dos quase 500 anos da história do Brasil. Dará as verbas pedidas pela filha de Sarney, governadora do Maranhão, fortalecendo o clã do ex-presidente. E o atenderá no varejo, nas coisinhas miúdas que um chefe político precisa.
O rombo dos R$ 5 bilhões no Nacional será maquiado não por contadores e técnicos do Banco Central, mas pelo presidente e um ex-presidente da República. Áulicos de um e de outro aguardam, ansiosos, pela "pax" entre os dois. O bolo dará para todos levarem uma fatia.
Mais estranho é o comportamento dos cronistas especializados. Preocupados em conservar as "fontes", eles torcem para que haja paz na seara, afinal, há coisas mais importantes a serem feitas, reformas, eleições municipais, não se pode perder tempo com picuinhas, o país precisa de trabalho etc.
Eles repetem o recado de FHC: vamos olhar para a frente, meu povo. O escândalo do Nacional será apurado e punido entre guarda-livros, contínuos e seguranças do banco. E não se deve olhar para trás, o rombo de amanhã será maior do que o de hoje, mas deverá ser esquecido para que a vida nacional desfrute da paz e da prodigalidade dos chiqueiros.

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