São Paulo, quarta-feira, 20 de março de 1996
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Dívida e inflação

ANTONIO DELFIM NETTO

Temos insistido nesta coluna que um dos poucos conhecimentos empiricamente comprovados da teoria econômica é o de que a inflação é um fenômeno monetário.
Há hoje poucas dúvidas sobre o fato de que, no longo prazo, o que determina a taxa de inflação é a taxa de crescimento da oferta de moeda, embora se discuta qual é a "moeda" relevante que deve ser controlada.
Ainda que haja possibilidade de uma expansão de crédito pelo setor financeiro em resposta à demanda do setor privado (perspectivas de investimentos com taxa de retorno acima da taxa de juro real de longo prazo ou financiamento de capital de giro às empresas para sancionar aumentos de salário real acima da produtividade), ela pode ser facilmente controlada pela ação do Banco Central, com a elevação da taxa de juros.
As tentativas de aumentar o dispêndio do setor privado pela ampliação do crédito bancário encontram a sua limitação quase naturalmente.
O problema é grave quando o aumento de crédito deriva de déficits governamentais que são financiados pela continuada expansão da dívida interna. Aqui não existe controle automático: o aumento da taxa de juros para colocar a dívida interna não limita o seu tamanho e também não impõe sanção que intimide o governo.
A elevação da taxa de juro real é o perverso mecanismo pelo qual o governo corta os investimentos privados e se apropria de parte da poupança privada para financiar seus gastos.
Assiste-se, assim, a um problema sério. Os investimentos privados que produzem crescimento e emprego são sacrificados em favor de dispêndios do governo cujas taxas de retorno são baixíssimas. Isso não aumenta a capacidade instalada da economia e compromete o crescimento do emprego no futuro.
Esse é um processo claramente insustentável a longo prazo, porque à medida que aumenta o estoque da dívida governamental maior é a parcela orçamentária despendida a cada ano com o serviço de juros.
Sacrificam-se, crescentemente, as despesas governamentais que distribuem e aceleram o desenvolvimento: educação, saúde, infra-estrutura etc. para pagar juros. O governo entra num regime em que a dívida pública com relação do PIB cresce sem limite visível, o que cria dúvidas sobre a sua capacidade de honrá-la.
A partir desse momento os agentes econômicos intuem que os déficits orçamentários e a dívida pública a que eles deram origem no passado vão acabar sendo monetizados e que o aumento da liquidez da economia vai acabar produzindo uma aceleração da inflação. É por isso que os economistas modernos dizem (da mesma forma que o papa Pio 5º no século 16) que a inflação é sempre, e basicamente, um fenômeno fiscal.
É importante entender que os agentes econômicos não esperam o governo tornar-se insolvável: eles antecipam isso concretizando a insolvência pela recusa a continuar financiando novos déficits orçamentários com a compra de mais dívida interna.
Nosso governo deveria, portanto, tomar um pouco mais de cuidado com a "farra" do endividamento que está produzindo.

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