São Paulo, quarta-feira, 20 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A CPI é direito e dever constitucional

EDUARDO MATARAZZO SUPLICY

A Constituição estabelece que o Congresso e suas Casas podem criar comissões parlamentares de inquérito, por requerimento de 1/3 de seus membros, para apuração de fato determinado e por prazo certo. Trata-se de direito consagrado, que assegura a uma minoria significativa a possibilidade de apuração de eventos que mereçam investigação especial.
As manobras que vêm sendo feitas pelo governo e alguns setores do Congresso no sentido de obstruir a instalação da CPI dos bancos constituem fato da maior gravidade, atentatório ao espírito democrático e à Constituição.
O presidente Fernando Henrique, quando no exterior, ressaltou a importância do Congresso para a construção de consensos no Brasil. O presidente diz ter consciência de que as CPIs podem contribuir para melhorar o país.
Se é assim, Fernando Henrique tem a responsabilidade de fazer com que os partidos que apóiam seu governo não tentem bloquear a instalação da CPI.
Não se sustentam os argumentos daqueles que a consideram perigosa ou desnecessária. Ao recorrer a pretextos variados, passam à opinião pública a impressão de que têm algo a esconder. Dizem alguns que a CPI não teria legitimidade, pois estaria sendo impulsionada por motivações políticas espúrias.
Vale lembrar que tais argumentos também foram levantados quando comecei, junto com o deputado José Dirceu, a coleta de assinaturas para a CPI do caso PC Farias. Alegava-se que o propósito era atingir o programa de "modernização" do governo Collor...
A CPI dos bancos reflete um sentimento amplo de indignação com a sucessão de escândalos bilionários que vieram à tona na área bancária. O sentimento não é apenas dos 29 senadores que assinaram o pedido de criação da CPI. É cada vez mais generalizada a percepção de que a atuação do Banco Central e de outras instâncias, não apenas neste governo, deixou bastante a desejar, no que se refere à fiscalização do sistema bancário público e privado.
A CPI não ficará restrita ao Econômico e ao Nacional. O seu propósito define-se em investigar os casos de intervenção ou decretação de regime especial ocorridos após 1995. Isso inclui Banespa e Banerj, que tiveram o regime de administração especial publicado no Diário Oficial da União em 2/1/1995.
Não se diga tampouco que a CPI seria um fator de instabilidade do sistema. O Senado jamais teria comportamento irresponsável, capaz de levar à desestabilização de instituições financeiras e menos ainda do sistema como um todo.
O que coloca em risco a credibilidade do sistema é a sucessão de irregularidades que não são identificadas e tratadas no momento oportuno e que ficam completamente impunes. O BC e o sistema bancário estão a demandar uma profunda radiografia, indispensável para sua reestruturação em bases sólidas. A CPI poderá dar contribuição fundamental ao processo, concluindo com uma proposta de regulamentação do art. 192 da Constituição.
Alega-se que a CPI atrapalhará a discussão das reformas tributária, previdenciária e administrativa. Mas quem conhece o trabalho do Congresso sabe que as comissões, tanto as temporárias como as permanentes, nunca impediram votações importantes. A CPI dos bancos no Senado, composta por 13 titulares e 13 suplentes, não inviabilizará a discussão e a votação das reformas.
De toda maneira, caberia indagar: a reforma do sistema financeiro é menos importante do que as demais? Por que razão a reforma financeira não figura com destaque na agenda proposta pelo governo ao Congresso desde 1995?
Diante da dimensão dos problemas que surgiram na área bancária é inacreditável que ainda se procure negar a necessidade de uma CPI. A julgar pelas informações disponíveis, a falsificação cometida na contabilidade do Banco Nacional é uma das grandes fraudes da história financeira do país.
As respostas oferecidas até agora pelo presidente do BC e outras autoridades governamentais foram insuficientes. A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que não tem o poder de obrigar o comparecimento das pessoas que convida para depor, tem tido dificuldades em ouvir testemunhas chaves.
Somente a CPI, que tem os poderes próprios das autoridades judiciais, conforme o estabelecido na Constituição, pode exigir o comparecimento dos convocados, requerer documentos e, quando necessário, determinar a quebra de sigilo bancário.
Se não foi conivente ou omisso em relação a fraudes, o governo não tem motivo para temer a investigação. Manobras protelatórias só levantam suspeitas, não necessariamente fundamentadas, sobre as motivações do governo FHC e dos seus aliados políticos.

Texto Anterior: Dívida e inflação
Próximo Texto: A Previdência Social é viável
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.