São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Na Bahia, professores recebem salário de R$ 23

ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA

No "Polígono do analfabetismo", é possível encontrar professores com salário de R$ 23, escola com um único aluno e professor fazendo o telecurso à noite para completar a 4ª série do 1º grau.
Nessa região o analfabetismo não é um fato isolado. Os municípios estão também no chamado Mapa da Fome. Têm os piores índices sociais do país, como altas taxas de mortalidade infantil e de indigência da população.
O salário de R$ 23 é pago pela Prefeitura de Pedro Alexandre, no nordeste da Bahia, o município em terceiro lugar na lista do analfabetismo de adolescentes. Dos de 15 a 17 anos, 72,79% são analfabetos.
Mesmo tão baixo, não sai em dia. Na semana retrasada, a professora Josineide Ferreira Freitas, 27 -cuja escolaridade é apenas a 4ª série-, decidiu fechar a escola rural onde tenta alfabetizar 26 alunos.
"Não dou mais aula. Fui buscar o salário, e não tinha nada para mim", afirmou. Ela não recebe seus R$ 23 há três meses.
O quadro-negro da professora Josineide dava um panorama triste do ensino na região. "Escola monicipal" (sic), ela havia escrito.
Telecurso
Entre os 185 professoras de São José da Tapera, no sertão de Alagoas, 73 não completaram o 1º grau. Para melhorar o nível do ensino, a prefeitura colocou parte deles para fazer o Telecurso 1º Grau.
Em Alagoas, é Branquinha o município com maior índice de analfabetismo de adolescentes.
Na localidade de Prato Grande, a 7 km do centro da cidade, a professora Luciana Gonçalves, 26, ensina uma única aluna. "Atevidade", errou Luciana já na primeira palavra escrita na lousa em sua aula na segunda-feira retrasada.
A professora, que vence a pé 7 km até a escola, matriculou 16 alunos. Mas eles só irão à escola quando chegar a merenda.
"Os alunos estão com fome. Eles preferem procurar manga, ingá e pescar para comer do que vir à escola sem merenda", afirmou a professora, que ganha R$ 50 por mês.
Comunidade Solidária
Luciana Cavalcante, 15, filha da merendeira da escola de Prato Grande, é analfabeta e não vai à escola. Cuida dos dois irmãos menores enquanto aguarda uma colocação como empregada doméstica.
Não se pode dizer que a omissão dos governos é total na região. A Prefeitura de Pedro Alexandre buscou 40 professores com magistério em Jeremoabo (BA) e ganhou quatro peruas do Comunidade Solidária para transportar alunos.
Mesmo assim, não atraiu para a escola José Nivaldo Soares Nunes, 17, e Antônia de Jesus de Alcântara, 17, que não sabem quem é Pelé ou o nome do atual presidente.
Os dois foram encontrados pela Agência Folha quando roubavam água de propriedade a meia hora de suas casas e se preparavam para transportá-la num carro-de-boi. Não chove na região há um ano.
"Nunca fui para a escola, porque tinha que trabalhar", disse Antônia. "Fiquei um ano na escola e não aprendi nada. No final, comecei a bagunçar e não fui mais", disse José Nunes, que cuida das 19 cabeças de gado da família.

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