São Paulo, domingo, 24 de março de 1996 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
O vôo das pombas e dos falcões
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Fernando Henrique Cardoso, que não é o papa, embora já possa ter desejado o pontificado, sempre soube muito bem que a travessia das reformas pelo Congresso não seria um arroz-doce. Foi esse, claramente, um dos motivos que o levaram à famosa aliança pré-eleitoral com o partido do establishment político, para usar uma expressão menos rude, ou, para ficar mais próximo à realidade, com os mais tarimbados especialistas em tramas congressuais e fisiológicas do país, reunidos em torno da liderança de Antônio Carlos Magalhães. Tratando-se de reformas de sentido liberal, que viriam com o propósito de, finalmente, completar o ciclo do capitalismo no Brasil, dotando-o de moeda estável, Estado equilibrado e mercado dinâmico, é natural que fossem conduzidas em parceria com os beneficiários e fiadores da coisa -e não com a esquerda estatizante e confusa do PT e adjacências. Tratava-se, portanto, desde o início, de jogar o jogo com os falcões do grande poder nacional, político e econômico. Algo como o Bolinha decidindo trocar figurinhas com a turma da zona norte. O jogo, que a princípio pareceu até "fácil", na expressão do próprio presidente, complicou-se. Na ciranda dos interesses eleitoreiros, corporativos, cartoriais e privados que movimenta o Congresso e a vida política brasileira, vai ficando cada vez mais difícil para o governo preservar a integridade inicial e manter a silhueta de cordeiro destacada da alcatéia. Pombas e falcões -como identificá-los, se fazem o mesmo vôo e usam as mesmas armas? Talvez seja esse o preço a ser pago pela tentativa de dar ao país um mínimo de racionalidade. Talvez essa não seja uma escolha, mas a condição do projeto. Talvez tudo isso valha muito pouco um dia, em perspectiva histórica, superada a inflação e alcançada a plataforma do desenvolvimento sustentado. Mas a situação atual é, para dizer o mínimo, desconfortável -ou egípcia, como cantaria um velho sambista. Um desconforto que a fotografia de Fernando Henrique Cardoso cercado por jovens malufistas, publicada pela Folha, na sexta-feira, revela de forma constrangedora. Texto Anterior: Em Poço das Antas não há analfabeto Próximo Texto: Leitores aprovam o novo visual da Folha Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |