São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Francês vê 'Brasil real' numa vala de esgoto a céu aberto

MAURICIO STYCER
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Durante todo o tour, o guia Camilo Ramirez não consegue disfarçar o seu entusiasmo pela vida carente na favela da Rocinha: "As pessoas aqui primeiro compram a TV, depois a porta e a janela das casas. Na Rocinha não há perigo em deixar portas e janelas abertas".
Ramirez costuma conduzir os turistas a duas casas na favela, uma de algum recém-chegado, que mora em barraco de madeira, e uma de um morador de "classe média", com quarto, sala e banheiro, "para mostrar os contrastes".
Como são 17 turistas Ramirez teve o bom senso de achar que a visita aos barracos seria inviável.
O tour também inclui uma parada no largo do Boiadeiro, onde há uma farta feira -e os turistas compram temperos "made in Brazil".
Bairro
A pedido do grupo, o tour de Ramirez neste domingo inclui uma visita à sede da Administração Regional da Rocinha (a favela virou bairro em 1992) e uma entrevista com o administrador regional da favela, o ex-policial Jorge "Mamão" Nascimento da Silva.
"Quando você quer levar luz para uma rua, como você faz?", pergunta uma francesa a Mamão.
"Tenho alguns conhecimentos. Fui apresentado ao presidente da Light por um político, o que me facilita um pouco as coisas", responde Mamão, cujo escritório tem vista para a lagoa Rodrigo de Freitas.
Vala negra e sociologia
Todos os franceses pertencem a uma mesma empresa multinacional de seguros, a CNP Assurances.
A viagem ao Rio, que concilia trabalho e lazer, faz parte de um programa interno de formação de quadros e inclui, além do passeio ao Corcovado e à Rocinha, visitas a empresas francesas instaladas no Brasil e discussões em grupo diárias sobre o que foi visto.
"Para nós é fundamental conhecer a realidade de países estrangeiros como o Brasil e a China", diz Patrick Warin, diretor da CNP, enquanto desvia com maestria de uma vala negra (um rio de esgoto a céu aberto) em viela da Rocinha.
"Uma visita à favela pode ajudar no trabalho de formação de quadros. É uma incursão sociológica rápida, mas pode ser melhor do que ler sobre essa realidade num livro ou num jornal", diz Warin.
"Não concordo que visitar uma favela seja um problema de má consciência do Primeiro Mundo. É melhor olhar e conversar do que não fazer nada", acrescenta Warin.
Alguns participantes do "tour", como Claude Faivre, trazem sacos plásticos carregados de camisas, shorts e canetas, que são entregues ao administrador da favela.
"Acho que estamos vendo algo próximo do Brasil real. As pessoas na favela têm vínculos familiares fortes, uma coisa que perdemos totalmente em Paris. Somos muito individualistas lá", diz Faivre.
Preço
Ver o "Brasil real" a bordo de um jipe da empresa Jeep Tour custa US$ 32,50 por pessoa (informações pelo tel. 021/255-7878). O carro busca o turista no hotel e o devolve duas horas e meia depois.
"É o tour que mais gosto de fazer. Me sinto em casa na favela", diz o guia Camilo Ramirez, que mora a cerca de 15 km dali, no agradável bairro da Urca.
Quando os traficantes da Rocinha estão em guerra, ou alguma tragédia pode vir a atrapalhar o ritmo normal do tour, a empresa leva os turistas para conhecer a vizinha favela do Vidigal.
(MSy)

Texto Anterior: Europeu faz 'tour sociológico' em favela
Próximo Texto: Rio quis proibir clipe de Jackson
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.