São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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A razão dos interesses

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

O economista e diretor do Banco Matrix, André Lara Resende, declarou-se intimidado, no programa "Roda Viva", quando uma jornalista arguiu sua suspeição para opinar sobre os caminhos do Proer.
Até prova em contrário, numa sociedade que se pretende republicana e democrática, até mesmo aos banqueiros é assegurada a liberdade de opinião, inclusive em assuntos que envolvam seus próprios interesses.
Ainda bem que essa liberdade, entre outras, está consagrada numa cláusula pétrea da malfadada Constituição de 1988, pois não escasseiam, no Brasil de hoje, os que se atribuem a prerrogativa de distribuir interdições ao direito de opinião dos outros.
O argumento esgrimido é quase sempre o mesmo; nas entrelinhas do discurso racional movem-se as razões subalternas do interesse. Isso quando não se recorre a repulsivos ataques "ad hominem".
Naturalmente, os que usam tal argumentação para desqualificar o ponto de vista alheio julgam estar a salvo da trama de interesses particulares e, portanto, dispõem de legitimidade para exprimir o interesse geral.
Há uma suspeita, hoje em dia, entre os estudiosos do assunto, de que, numa sociedade fundada no particularismo, complexa e diferenciada, a única coação permitida no debate público é aquela que nos obriga ao esforço de reconhecer a distorção introduzida pela presença do interesse.
Reconhecer e submeter à sua própria crítica e à dos demais. Parece não haver outro caminho para se afirmar as pretensões de universalidade do discurso.
Não foi com surpresa que ouvimos a resposta de André, como sempre articulada e razoável. Apresentada, porém, como se fosse a revelação da razão econômica por um de seus profetas.
A réplica, ao invés de convencer o interlocutor, apenas reforçou a impressão de que o discurso econômico tende a se impor aos demais, sobretudo ao de natureza política, com as mesmas pretensões de superioridade do discurso dogmático, próprio das sociedades fundadas na tradição e na autoridade.
É o caso de perguntar: Afinal, quem intimida quem?

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