São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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BB busca convívio com o capital privado

FREDERICO VASCONCELOS; CELSO PINTO
EDITOR DO PAINEL S/A

Governo prepara o fortalecimento da principal instituição oficial de crédito com injeção de capital

CELSO PINTO
Ao abrir mais espaço para os acionistas minoritários, a reestruturação do Banco do Brasil é um passo claro na direção de uma maior participação privada.
"Estamos no caminho de sair de um país que começou muito forte com o Estado na economia para uma privatização recente da produção. Acho que o Banco do Brasil está caminhando nessa direção", diz Paulo Cesar Ximenes, presidente do BB.
Esse horizonte, porém, não está isento de contradições.
Para ficar mais forte e lucrativo, o BB terá que disputar mais espaços com o setor financeiro privado, como aconteceu, recentemente, na área de seguros.
"Um açougue não sobrevive só com carne de pescoço", justifica Ximenes. Ele vê oportunidades para associações com grupos privados. E acha que, ao se fortalecer, o BB poderá render mais ao governo se, no futuro, for privatizado.
O desafio imediato de Ximenes é garantir aos acionistas -a quem está pedindo R$ 8 bilhões- uma lucratividade razoável. O que restringe a forma e o conteúdo do seu papel de "banco social".
Ximenes concedeu entrevista exclusiva à Folha, na última quinta-feira, em São Paulo.
*
Folha - Como conciliar a responsabilidade social do BB e a necessidade de ser lucrativo?
Ximenes - O Banco do Brasil é um grande banco de varejo, atuando na área rural, na pequena e média empresa. Vai continuar com essa cara. Agora, isso é função social. Financiar a atividade produtiva ao menor custo possível. É uma função social importante trabalhar da maneira mais eficiente possível para cobrar a menor margem possível e ainda assim ser rentável.
Folha - O sr. está pedindo R$ 8 bilhões aos acionistas. Que garantia de lucratividade o sr. dá?.
Ximenes - Tenho de melhorar a qualidade do risco do cliente. A grande maioria são bons clientes, mas eu tenho de melhorar a carteira de empréstimo. Tenho de aumentar a quantidade de serviços, para aumentar a lucratividade. Eu nunca vou comparar o banco, em termos de rentabilidade, a um banco de 15º andar, concentrado em meia dúzia de clientes.
Folha - Mas também não precisa ter R$ 4 bilhões de prejuízo...
Ximenes - Também não é toda hora que há uma valorização do real, como no início do plano (que gerou enorme prejuízo para o BB).
Folha - Quando o banco entrou na área de seguros, o setor privado ficou incomodado. Esse esforço legítimo de buscar mais lucratividade não torna contraditório o discurso privatizante do governo?
Ximenes - Eu acho que não. Um açougue não sobrevive vendendo só carne de pescoço. Eu não consigo ficar só com o pior nicho de mercado. Eu tenho que ocupar nichos melhores e todos os nichos possíveis.
Não é contraditório. É uma empresa. Se lá na frente tiver que ser privatizada, será com uma baita de uma carteira de seguros, com um valor adicionado muito maior. Até porque, se ficar se limitando só a segmentos que o setor privado não quer, tem que deixar de ser empresa e ser autarquia. Para sobreviver como empresa, tem que disputar.
Folha - Ao melhorar a performance do BB, o sr. está transformando o banco num candidato potencial à privatização cada vez mais interessante, não é verdade?
Ximenes - Eu não sei. É muito questionável. Eu não sei qual seria a cara do BB se ele estivesse privatizado. Por enquanto, a União tem interesses de política de crédito nele, e vai bancando. Se perder esse interesse, eu não sei se essa nova configuração do BB privado seria interessante.
Ximenes - Estamos num caminho de sair de um país que começou muito forte com o Estado na economia para uma privatização recente da produção. Acho que o BB está caminhando nessa direção, dando maior participação ao minoritário privado na gestão.
Folha - Ao longo do ano passado, o banco fez uma primeira experiência de recuperar créditos duvidosos. Essa negociação envolveu um desconto alto?
Ximenes - Varia muito de operação para operação. Em muitos casos houve desconto. O contrato prevê taxas muito elevadas. Numa negociação, se eu exigir o pagamento de tudo aquilo que está no contrato, acabo não levando nada.
Folha - A transparência dos balanços do BB era muito questionada. O sr. concorda?
Ximenes - Não. Ao contrário. O banco sempre teve muitos administradores, mas contadores teve poucos, mas muito bons. Nós temos um novo auditor, a Trevisan.
Folha - O sr. chegou a detectar irregularidades nessa área?
Ximenes - Não existe fraude, eu não detectei, no sentido de práticas contábeis ilegítimas para esconder o que quer que seja. Podia haver algum tipo de política de crédito que facilitasse esconder algum tipo de problema que existia. Se você admite a rolagem automática de dívidas com encargos, o gerente que fez mau crédito, em vez de reconhecer o mau crédito, acaba admitindo a rolagem. Isso depois aflora.
Folha - Era uma política oficial, uma orientação do banco?
Ximenes - Não, não. Era um negócio muito dentro do banco, na área de crédito geral.
Folha - Qual é a garantia de que o BB não vai continuar sendo um instrumento político?
Ximenes - Acho que a participação do minoritário no Conselho de Administração é um caminho para eliminar essa possibilidade.
Folha - Em alguma outra instituição o minoritário tem essa força no Conselho? Ele normalmente é um voto vencido em ata.
Ximenes - É um formato novo, sem precedentes. É um reconhecimento da União de que temos que descobrir o melhor caminho para garantir a posição do minoritário privado.
Folha - Como vai funcionar o comitê de crédito?
Ximenes - Desde que nós chegamos ele já funciona. Acabou com as alçadas individuais. Tem que se reunir para aprovar empréstimos.
Folha - O Banespa tinha conselho de crédito. Mas algumas operações chegavam a ser aprovadas pela diretoria, vetadas por esse conselho, e saíam. Como fazer essa instância funcionar para valer?
Ximenes - Reforçando a auditoria interna. Eu duvido você acabar com o comitê de crédito no BB. E qualquer operação que passar da forma que você descreveu, a auditoria pega. No Banespa, o que mais prejudicou foi a concentração de crédito em empresas públicas.
Folha - Mas também houve escândalo atrás de escândalo nos casos de créditos privados. Depois do Banespa e do Banerj, há pelo menos o efeito-demonstração. Não quebra, não privatiza, mas o administrador está sujeito à indisponibilidade de bens. O BB não quebra. Não há uma impunidade, entre aspas, do administrador?
Ximenes - Não é assim. Levo aos tribunais o gerente que der sem condição de aprovar.
Folha - O Banco do Brasil tem muitos processos desse tipo?
Ximenes - Tem. A auditoria apura e o jurídico avalia se é possível a ação de responsabilidade.
Folha - O sr. admite que o banco, apesar do enxugamento de pessoal, continua inchado, comparado aos bancos privados? Qual o tamanho ideal para ficar eficiente?
Ximenes - O BB, no nível de tecnologia em que está, tem o pessoal que deve ter. Estamos fazendo programas de investimento em tecnologia para ajustar as duas coisas. Você toma a decisão, tecnicamente, de fechar uma agência, mas tem uma fase negocial para tentar recuperar a agência. Se eu puder, não fecho agência nenhuma.
Folha -Há uma meta para redução de pessoal e de agências?
Ximenes - Há uma idéia. Mas é o tipo de coisa que eu não gosto muito de falar, porque acaba levando desconforto grande.
Folha - Esse ajustamento poderia ter sido feito antes?
Ximenes - Mas o banco fez: 30 mil funcionários saíram em 95.
Folha - Mas não foi suficiente.
Ximenes - Foi suficiente ao nível da tecnologia implantada. Mas eu estou com um programa de investimento em tecnologia. Tem que ser feito um ajustamento com respeito ao funcionário do banco.
Folha - Vamos testar o "jogo da verdade" que o banco está anunciando com esta nova campanha. Qual foi o pior governo para o banco: dos militares, Collor ou Sarney?
Ximenes - É difícil dizer. No final dos anos 70, usaram o Banco do Brasil para financiar as estatais e para os programas de investimento delas. Com isso, o BB acabou como o maior credor da dívida externa. O sistema bancário ganhou rios de dinheiro, e o BB parado, com aqueles ativos, esse tempo todo. Foi ruim para o BB? Foi. Foi ruim para o governo? Não.
Folha - E mais recentemente?
Ximenes - Veja o Proálcool. As condições objetivas mudam, fica o Proálcool como um problema e o BB, como financiador, com esses bilhões de reais empatados. É difícil fazer uma avaliação. As decisões são de política econômica.
Folha -Não é contraditório o governo socorrer o banco e, simultaneamente, os usineiros?
Ximenes - Não é socorro ao BB. É a responsabilidade do acionista controlador.
Folha - Em relação aos usineiros o sr. aceita o verbo "socorrer"?
Ximenes - Usineiro é uma palavra execrada. O governo teve a parcela de culpa ao lançar o programa e depois não ter reajustado como poderia. O banco não está programando socorrer ninguém. Folha - Qual é o pior devedor?
Ximenes - Os maiores problemas estão na área de crédito geral e não na área de crédito rural.
Folha - O banco tem um levantamento dos principais beneficiados com operações especiais?
Ximenes - Deus me livre de fazer um levantamento desses, com esse tipo de objetivo. Jamais vou ter. Meu objetivo é saber a realidade dos créditos para recuperá-los.

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