São Paulo, domingo, 24 de março de 1996 |
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Gasto com servidor é arma retórica
GILSON SCHWARTZ
É que, em nome da crítica ao Estado, os próprios dados, informações e análises sobre as máquinas públicas ganham mais evidência. Curiosamente, muitas vezes até para mostrar a enorme distância entre o discurso e a realidade. É o que parece acontecer com a questão do "enxugamento" da máquina estatal -leia-se contenção de gastos com funcionalismo. Análise Uma análise cobrindo 99 países no período 1980-90, auge do que se costuma chamar de políticas neoliberais, mostra que os gastos com salários do funcionalismo público crescem com a renda per capita. Ou seja, não é fato que o desenvolvimento traga o "enxugamento" do funcionalismo. O estudo não foi preparado pela CUT, mas por Daniel Hewitt e Caroline van Rijckeghem e publicado em janeiro de 1995 pelo Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional. Em relação ao PIB, entre 1980 e 1990 a média dos gastos dos governos com salários foi de 4,6% no mundo, ficando em 3,9% nos países pesadamente endividados e em 4,5% nos de baixa renda. No conjunto dos países em desenvolvimento, a média dos gastos chegou a 5,2% do PIB, o que talvez sugira que, na transição entre miséria e riqueza, os gastos com funcionalismo tendem a crescer (exatamente o oposto do que normalmente se propaga). Estabilidade Outro dado interessante é a estabilidade dos gastos dos governos com salários ao longo dos anos 80. Mas esses dados referem-se às esferas federais em cada país, não aos gastos públicos totais com salários. É nesse recorte mais amplo que surge outra informação curiosa: nos países industriais chega-se a gastar quase o dobro do que se gasta nos países em desenvolvimento (como porcentagem do PIB), sendo os gastos com salários dos governos estaduais e locais mais do que o triplo nos países desenvolvidos frente aos mais pobres! O estudo mostra, portanto, que desenvolvimento é sinônimo de descentralização administrativa. Terceiro Mundo No Terceiro Mundo, entretanto, no Brasil em particular, é comum a crença de que o corte de despesas com funcionalismo é o caminho para o saneamento orçamentário e para o desenvolvimento. Mas é curioso ver o que realmente se praticou num caso exemplar dos últimos anos: o México. Lá, enquanto se repetia à exaustão o discurso da reforma do Estado, as despesas com funcionalismo como proporção dos gastos públicos aumentaram de 13,6% em 1988 para 18,4% em 1994. Nesse período, as transferências federais (que incluem dinheiro para Estados e municípios) saltaram de 5,2% para 20,1% do Orçamento. O que se pode dizer, diante dos dados, é que seja qual for a reforma do Estado desejada, o corte de funcionários não ocorre na prática. Ainda que seja quase sempre o alvo preferencial da retórica de dois em cada três defensores da modernização das economias. Texto Anterior: As contas do governo em 1995 Próximo Texto: Isto é o Brasil Índice |
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