São Paulo, domingo, 24 de março de 1996 |
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Pesquisas estudam como ligar computador ao cérebro
PETER THOMAS
A equipe de Richard Normann, no Departamento de Bioengenharia da Universidade de Utah (EUA), é a que já chegou mais perto de "plugar" o cérebro. Ela desenvolve meios de transmitir imagens de vídeo diretamente para os cérebros de pessoas que perderam a visão. Os problemas da cegueira oferecem um teste ideal para neuropróteses, porque a maioria das formas de cegueira se deve a danos nos olhos. O complexo maquinário neural da visão, dentro do cérebro -o córtex visual- continua funcionando. O sistema visual é especialmente útil porque é altamente adaptável, inteligente e auto-regulatório. Em 1974, William Dobelle, também da Universidade de Utah, constatou que o estímulo direto do córtex visual de pessoas cegas suscita "fosfenos" -pontos de luz semelhantes aos criados pela passagem de sinais num sistema visual que está funcionando normalmente. Os resultados foram encorajadores: as pessoas conseguiram "ler" caracteres em Braille compostos de padrões de fosfeno criados por estímulo direto mais rapidamente do que com a ponta dos dedos. Pesquisas mais recentes conduzidas em 1992 e 1993 pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA e pela Universidade Johns Hopkins buscaram aperfeiçoar a qualidade da visão artificial vivida pelos cegos. O grupo de Normann está desenvolvendo dispositivos que podem ser implantados no cérebro. São um conjunto de cem eletrodos "agulhas", com formato semelhante a uma escova de cabelos minúscula. Cada agulha mede menos de dois milímetros. É isolada das agulhas vizinhas por uma bainha de vidro e montada sobre uma base de silicone de quatro milímetros quadrados. A idéia é captar imagens usando um codificador de vídeo, transformá-las em sinais elétricos e excitar neurônios do córtex visual, no cérebro, usando os eletrodos para produzir uma imagem diretamente no cérebro. Os resultados obtidos até agora indicam que essa abordagem é capaz de criar visão artificial, embora ela possa parecer-se, para quem vê, com uma versão "granulada" da realidade -semelhante à que se obtém olhando para o placar grande de um estádio de futebol. É claro que o trabalho de Normann se limita a pessoas que não têm outra esperança de voltar a enxergar. Ele acha difícil imaginar pessoas saudáveis que queiram se submeter a uma cirurgia desse tipo só por estar interessadas na novidade. Outra pesquisa aborda a ligação por outro ângulo -usando canais de comunicação com o cérebro que o corpo já possui, como olhos e ouvidos. Thad Starner, do Laboratório de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), acredita que a técnica cirurgicamente invasiva necessária para plugar o cérebro ainda não foi demonstrada. Em vez disso, está desenvolvendo "wearable computers", ou computadores que podem ser "vestidos": minúsculos microprocessadores usados sobre o corpo, que se mantêm em comunicação contínua e podem até ser conectados à Internet. Os elementos básicos dos "wearable computers" já existem. Já há no mercado computadores de baixa potência com o tamanho de um cartão de crédito, equivalentes a um PC-486. O Exército dos EUA desenvolveu dispositivos de comunicações e "wearable computers" como "monitores" montados na cabeça, câmeras e comunicadores pessoais para receber e transmitir informações sobre o campo de batalha. Starner diz que o Exército já testou esses "soldados incrementados" no campo de batalha. Segundo Starner, o aplicativo decisivo será a memória aumentada, mais ou menos semelhante à de Johnny Mnemonic no filme, só que o disco rígido estará situado fora do cérebro. A idéia é que um sistema de recuperação total de dados fará um registro seletivo da vida do usuário, usando reconhecimento de voz e de rosto e algum tipo de sistema global de posicionamento para identificar localizações. Starner diz que, quando você cumprimentar um colega, seu "agente de recordação" irá reconhecê-lo e sugerir as cinco informações mais relevantes à conversa. Os "wearable computers" oferecem várias vantagens. Uma delas é que o computador estará sempre ligado e sempre poderá ser acessado instantaneamente. Já no caso dos atuais computadores "palmtop" (que cabem na palma da mão), o usuário precisa abri-los, ligá-los, dirigir sua atenção à tela e usar as duas mãos. "Compare isso com um 'wearable computer' com 'monitor' de cabeça e teclado que pode ser acionado com uma mão", diz Starner. "Com meu 'wearable', poderei registrar nomes e trechos interessantes de um bate-papo ao mesmo tempo que cumprimento pessoas e mantenho contato visual com elas". A segunda vantagem dos "wearable computers" é sua constância. Quando se interage com um computador usando teclado, caneta, mouse ou qualquer outra coisa, é preciso reaprender a usar esses dispositivos cada vez que é criado um novo sistema. O "wearable computer" promete uma única interface. "Como tanto tempo é passado com a interface 'wearable', os usuários vão adquirir muita prática em seu manejo e poderão adaptá-la às necessidades." A abordagem de Starner contrasta com o trabalho de Normann, que visa substituir funções humanas perdidas. O trabalho de Chip Maguire, do Instituto Real de Tecnologia, na Suécia, fica mais ou menos a meio caminho entre esses extremos. Maguire acha que os "wearable computers" serão limitados, da mesma forma que os computadores controlados por sinais cerebrais, e que a única maneira de conseguir uma interface homem-computador viável é usar conexões diretas com o cérebro. Ele diz que, com elas, poderíamos ter um sistema instalado dentro de nossas cabeças, que forneceria comunicações por voz e um "monitor dos olhos para cima" que poderia sobrepor texto e imagens a nossa visão normal. O primeiro grupo de pessoas a usar esses dispositivos será o dos deficientes, diz Maguire, mas ele acredita que outras pessoas também vão querer submeter-se à cirurgia para a instalação de computadores neurocompatíveis. Maguire acha que um dos primeiros grupos de voluntários não-deficientes será composto por militares. Depois deles talvez viessem pessoas que trabalham em setores altamente informatizados. Ele prevê que os primeiros protótipos estarão prontos em cerca de cinco anos, e que sistemas militares surgirão daqui a dez anos. Mas outros usuários talvez tenham de esperar duas ou três décadas. Se Maguire estiver certo, a vida no século 21 poderá ser mais complexa do que o que sugere o cinema. Deixando de lado objeções de ordem moral ou ética, o conceito de seres que serão em parte humanos e em parte máquinas suscita várias questões práticas. Por exemplo, se tivermos softwares embutidos no cérebro, como poderemos garantir sua qualidade e confiabilidade? O que vai acontecer quando o hardware for atualizado ou quando for lançado um novo software? E se alguém descobrir um erro ou vírus? Até um roteirista de Hollywood teria dificuldade em dizer as consequências. (PT) Texto Anterior: Ciência busca máquina para ler pensamentos Próximo Texto: Livro discute limites da inteligência artificial Índice |
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