São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Robô é embrião de andróides

JOSÉ LUIZ SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O sonho do homem de construir uma réplica perfeita de si mesmo nunca foi tão intenso como desde a invenção do computador -a partir da década de 50. Mas ainda está longe de se efetivar.
As evidências são os projetos de um robô, o Cog, e de um supercomputador enxadrista, o Deep Blue. O Cog é o protótipo de humanóide mais ambicioso (e, talvez, factível) da história do homem. Está em fase de projeto e fabricação no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), sob a direção dos computólogos Rodney Brooks e Lynn Andrea Stein. Falta muito tempo -não se sabe quanto- para o Cog ficar pronto, mas ele já tem cérebro, cabeça, olhos, tronco, braços, pinças no lugar das mãos e sistemas de controle motor.
Criado pela empresa norte-americana IBM, o Deep Blue tem 256 unidades de processamento, em vez de uma, como os computadores pessoais, e foi feito com a finalidade única de jogar xadrez. Em fevereiro último, ele foi derrotado pelo campeão mundial russo Garry Kasparov, em uma série de seis partidas -mas não sem antes vencer uma e empatar outras duas.
A diferença essencial entre o Cog e o Deep Blue é que o robô é "inteligente", ao passo que o computador é "burro". O Cog está sendo projetado para interagir com o meio ambiente, pensar e até mesmo sentir dor e prazer. O Deep Blue apenas funciona como uma hipercalculadora, capaz de analisar bilhões de lances por segundo -sem ter consciência do que faz.
A possibilidade (ou impossibilidade) de a máquina imitar o homem é discutida nesta edição pelos filósofos Daniel Dennett, membro da equipe do Cog e diretor do Centro de Estudos Cognitivos da Universidade Tufts (Boston, Massachusetts, EUA), Douglas Hofstadter, do Centro para Pesquisas Sobre Conceitos e Cognição da Universidade de Indiana (Bloomington, Indiana, EUA) e John Haugeland, da Universidade de Pittsburg (Pensilvânia, EUA).
Todos os três são pesquisadores de inteligência artificial (IA) e ciência da cognição, disciplinas cujo objetivo maior é a simulação artificial (mecânica ou biológica) do funcionamento do cérebro humano. Tudo o que elas querem é mostrar que, das máquinas ao homem, a transição não é violenta.
O desenho do cérebro
Para isso, a IA dedica-se à criação de programas de computador capazes de realizar tarefas para as quais é necessário o uso da inteligência -compreendida não apenas como aptidão para o manejo de símbolos e números, mas sobretudo como habilidade de interagir com o meio ambiente, lidar com situações inesperadas, fazer uso das analogias, metáforas e abstrações, etc. Habilidade, enfim, de pensar e falar. Já a ciência da cognição trabalha com o desenho de modelos teóricos da estrutura do cérebro (humano ou não), feitos a partir do que sabe sobre o funcionamento dos computadores.
A idéia básica de ambas as ciências é que o cérebro é um supercomputador, sem equivalente mecânico nos dias de hoje. A essa tese soma-se uma outra, segundo a qual a alma é idêntica ao cérebro. A mente seria um efeito complexo das leis que governam as partículas físicas que compõem o cérebro.
Nesse materialismo extremado, não há distinção entre corpo (ou cérebro) e alma, mas apenas a redução do que o homem é, pensa, sente e deseja às leis da matéria. O homem seria um escravo de seu cérebro. O homem seria, enfim, um robô biológico.
A prova dos noves, para as teorias da IA e da ciência da cognição, é a construção efetiva de um andróide -daí o investimento em projetos como o Cog. Em um futuro ainda não datado, dizem os especialistas, o homem conviverá com seres viventes por ele criados. A razão e a inteligência, mas sobretudo os sentimentos de prazer e dor, alegria e tristeza, esperança e frustração neles surgiriam como um efeito automático de sua complexidade -apostam.
Duplo nascimento
O historiador da ciência Howard Gardner, em "A Nova Ciência da Mente" (Edusp, 1995), confere à IA uma dupla nascença. De um lado, o Simpósio de Hixon, realizado, em 1948, no Instituto de Tecnologia da Califórnia, do qual participou, entre outros, o matemático John von Neumann, primeiro a estabelecer a comparação entre o computador e o cérebro. De outro, o Simpósio de Darthmouth, ocorrido em 1956, na Faculdade Darthmouth, em Hanover (New Hampshire, EUA), e organizado pelo matemático John McCarthy, fundador dos laboratórios de IA do MIT (1957) e da Universidade Stanford (1963) e criador do termo "inteligência artificial". Lá estiveram, entre outros, o matemático e neurologista Marvin Minsky e os matemáticos Herbert Simon e Allen Newell.
O psicólogo americano George Miller fixou o mês de setembro de 1956, quando se realizou, no MIT, o "Simpósio Sobre Teoria da Informação", como data de fundação da ciência da cognição. Nele, Simon e Newell apresentaram pela primeira vez a sua Máquina de Teoria Lógica, um dispositivo capaz de proceder demonstrações de teoremas lógicos. Deste simpósio participou ainda o linguista americano Noam Chomsky.
Ao lado do matemático e neurologista Marvin Minsky, Neumann, McCarthy, Simon e Newell são os fundadores da IA e da ciência da cognição. Dennett, Hofstadter, Haugeland, Brooks, Stein, o linguista e psicólogo Ray Jackendoff e o computólogo Aaron Sloman, entre outros, são seus pensadores contemporâneos mais influentes.
Os filósofos John Searle e Hubert Dreyfus e o matemático Roger Penrose são os críticos mais ferozes do projeto de reprodução da mente humana -e talvez os únicos a serem ouvidos pelos que o defendem. As críticas abrem mão de argumentos variados, mas reduzem-se todas à idéia de que somente organismos biológicos têm a "coisa certa" com a qual pensar.
Alguns dos centros de IA e ciência da cognição mais promissores, por sua produção teórica e científica, estão no MIT, na Universidade Tufts, na Universidade de Indiana, na Universidade Stanford (Califórnia, EUA), na Universidade Carnegie-Mellon (Pittsburg, EUA) e na Universidade de Sussex (Brighton, Inglaterra).

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