São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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China realiza apenas manobras políticas

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

As manobras navais chinesas em torno de Taiwan são um excelente exercício em política, mas seu conteúdo de real ameaça militar é pequeno. A Marinha chinesa tem poucas condições de praticar a mais difícil das operações militares, um desembarque "anfíbio" em território inimigo.
Na década de 60, os chineses gostavam de zombar do poderio militar americano, chamando os EUA de "tigre de papel".
Ironicamente, hoje, por trás das fotos de jornal e cenas de TV de disparos de mísseis e navios manobrando seus canhões, se esconde um enorme "tigre de papel" -os três milhões de homens das Forças Armadas chinesas.
O líder da revolução marxista chinesa de 1949, Mao Tse-Tung, dizia que o poder vinha do cano de um fuzil ou de um barril de pólvora. O próprio Karl Marx concordava com a idéia básica de seu conterrâneo Carl Von Clausewitz, que a guerra é a continuação da política por outros meios.
Os chineses podem afetar a economia de Taiwan sem disparar um tiro contra a "ilha rebelde". Basta afugentar investidores. Mas se quisessem de fato invadir, teriam muitas dificuldades.
Uma das heranças da "guerra popular" de Mao foi a criação de forças armadas numerosas, mas tecnologicamente débeis.
Em 1949, os comunistas chineses venceram a guerra de guerrilha contra os ancestrais dos moradores de Taiwan graças ao apoio da população. Mesmo em 1995 a China mantém um Exército, uma Força Aérea e uma Marinha com equipamento pouco sofisticado se comparado com o ocidental, apesar de esforços para modernização.
Arcaico
Aqueles mísseis de fotos são versões aperfeiçoadas de equipamento soviético dos anos 60. Armas semelhantes nas mãos de árabes foram derrotadas pelos israelenses em 1973 e 1982, e mais recentemente pela coalizão liderada pelos EUA na Guerra do Golfo.
Navios e aviões de Taiwan têm tecnologia ocidental moderna. Muito mais do que a guerra terrestre, um conflito aeronaval é uma competição entre tecnologias, principalmente a eletrônica.
Apesar de sua superioridade naval, a Marinha dos EUA não ousou fazer um arriscado desembarque anfíbio no Kuwait em 1991.
Para a Marinha chinesa seria mais difícil ainda. Ela tem um grande número de pequenos navios de defesa costeira. Mas poucos navios de desembarque modernos, e um número insuficiente de fragatas e destróieres para eles.
A China tem 17 destróieres e cerca de 35 fragatas, contra 22 destróieres e 17 fragatas de Taiwan. A China tem mais de 50 submarinos contra meros 4 de Taiwan -mas a maioria é obsoleta e acredita-se que esteja fora de operação.
No ar os chineses têm superioridade esmagadora -cerca de 11 vezes mais aviões de combate que os 450 caça-bombardeiros de Taiwan.
Mas, além da maioria também ser obsoleta -cerca de 3.000 são versões do caça soviético MiG-19, que entrou em serviço na década de 50-, a aviação sozinha não basta para tomar um país. Parte da aviação de Taiwan está protegida em bases subterrâneas. Um desembarque anfíbio só é possível com superioridade aérea no local.
Manobras navais são um método clássico de demonstrar uma intenção política. No século 19 era a "diplomacia das canhoneiras" dos britânicos; no século 20, é o envio de uma força-tarefa americana nucleada em um porta-aviões.
Os chineses poderiam conquistar uma pequena ilha isolada sem problemas. Mas para entrar em Taiwan precisariam de uma frota bem maior e bem mais moderna.

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