São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Entrave dos EUA leva país ao Mercosul

Continuação da entrevista

DO ENVIADO ESPECIAL

Dificuldades para o ingresso no Nafta e proximidade física faz presidente Frei buscar vizinhos como parceiros

Folha - Quais foram as consequências para a economia chilena da crise mexicana de 1994, e o que se fez para evitar danos graves?
Frei - A lição maior que fica da crise mexicana é um pouco o que lhe dizia no início da entrevista. O esforço de poupança e de investimento tem de ser feito pelo país.
Não se pode depender de capitais estrangeiros para todo o esforço de crescimento e desenvolvimento.
Nós temos restrições ao capital que vem fazer especulação. Tem de depositar uma certa quantia e ficar um prazo mínimo de um ano.
Sei que é contrário à tese da liberdade econômica. Mas países como o nosso têm de se proteger.
Folha - A Anistia Internacional divulgou há pouco nota em que crítica a atuação de seu governo no que se refere à "lei do ponto final" (que elimina a possibilidade de punição aos responsáveis por violações dos direitos humanos na ditadura). Como o sr. vê as críticas, e o que se pode fazer na área de direitos humanos enquanto se mantiver, até 97, o general Pinochet como comandante do Exército?
Frei - Em primeiro lugar, a presença do comandante como chefe do Exército não é uma obstrução ao tema do respeito aos direitos humanos. No Chile, existe um Estado de Direito, respeitam-se os direitos humanos absolutamente, e não há nenhuma lei de ponto final.
O ministro do Interior assinalou que, para um informe objetivo, deveria ao menos haver a delicadeza de falar com autoridades chilenas.
Nós mandamos um projeto ao Congresso que é parte de um conjunto de iniciativas que denominamos Programa de Reconciliação Nacional e de Aprofundamento Democrático. Era um projeto para agilizar os processos de detidos-desaparecidos pendentes, que o Congresso está para votar.
Folha - Pelas visitas ao Brasil e à Argentina, fica a sensação de que o Chile se aproxima do Mercosul e se afasta do Nafta. Pesou nessa decisão o fato de que o Congresso americano não concedeu o chamado "fast-track" (via rápida) para o ingresso do Chile no Nafta, além do atraso nas negociações prometidas pelo presidente Clinton?
Frei - Essas visitas não dependem de nossas relações com o Nafta. O que definimos, desde o primeiro discurso como presidente, é que, para nós, é muito importante o comércio exterior. É um pilar do desenvolvimento chileno.
Se você somar as exportações e as importações chilenas, dá uns 50% do PIB. Dá uma dimensão da importância do comércio exterior.
Mas o mais importante é que o comércio do Chile com a América Latina é maior do que com os EUA.
Por que nos interessa o Nafta? Porque olhamos para o país de 2010, 2015, não o de 1996. É nossa obrigação. Por isso, definimos uma política de presença global.
Dentro desse conceito, sempre dissemos que o mais importante era a vizinhança, o comércio com a América Latina. Dentro disso, demos preferência aos acordos de integração, mas uma integração real. Não é somente uma questão de tarifas alfandegárias. Estamos falando de serviços, de integração financeira, física e energética.
Folha - Sua resposta de certa forma confirma o pressuposto da pergunta anterior. O Chile parece mais voltado, pelo menos a curto prazo, para a América Latina e o Mercosul do que para o Nafta, talvez pelas dificuldades de negociar...
Frei - Mas esses conceitos não foram criados pelo Chile e, sim, pelos EUA. Se o Congresso norte-americano tivesse dado as condições ao Executivo para negociar, estaríamos em plena negociação.
Folha - A realidade econômica tão forte não pode dar a sua visita ao Brasil um conteúdo mais econômico do que político?
Frei - A relação tem de ser global. Tem de partir de um marco político, que lhe dá o governo, mas deve ser global. Por isso, vou com empresários, vou com parlamentares, com artistas, intelectuais.
Os laços entre os dois países são tão profundos e datam de tanto tempo que temos de aprofundar as relações em todos os níveis.
Folha - Há dois temas constantes nas viagens de Fernando Henrique Cardoso, a possibilidade de impor algum tipo de entrave global a capitais especulativos e a eventual participação do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU...
Frei - Creio que seria muito positivo discutir os capitais "andorinha" (especulativos). Porque, definitivamente, economias como as nossas, pequenas, têm dificuldades em competir com esses mercados financeiros. As cifras que se movem neles são gigantescas.
Logicamente, muitas vezes os países de onde vêm esses grandes capitais não têm interesse em debater esse tema. Mas nós temos de apresentar posições unidas, em especial nos foros em que participamos com os países desenvolvidos.
Folha - O Brasil seria seu candidato a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU?
Frei - Vários países querem essa posição. Estive no Japão há pouco tempo, e os japoneses querem estar, a Alemanha também. Creio que é parte de um debate mais profundo: como desenhar um Conselho de Segurança mais amplo.
O grande ponto é que esses organismos, quando se ampliam muito, perdem sua efetividade. Se, amanhã, o Conselho de Segurança tiver 40 ou 50 membros, já será quase a Assembléia Geral.

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