São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Marajás, ilusões e mentiras

GILBERTO DIMENSTEIN

Os americanos descobriram que têm seus marajás, faturando salários milionários -e estão furiosos, culpando-os pelo degola em massa de trabalhadores. Ostentam o título de CEOs, alguns deles abocanhando até US$ 1 milhão mensais, o que dá US$ 33 mil por dia.
Essas três letras, iniciais de "Chief Executive Officer", designam a casta dos principais executivos das grandes empresas americanas, transformadas num símbolo comparável aos marajás da campanha presidencial de Fernando Collor.
São expostos à execração pública, vêem sua foto na imprensa informando ao mesmo tempo seu salário e quantas pessoas demitiram, apanham da esquerda e da direita, do presidente Bill Clinton e de Bob Dole, seu principal adversário republicano na disputa presidencial.
Robert Allen é um bom exemplo. Apenas em salário, sem contar os benefícios indiretos (ações, bônus), ganha US$ 280 mil por mês para dirigir a empresa de telecomunicação AT&T.
Ele anunciou este ano que vai demitir 40 mil empregados, alimentando a ira contra os CEOs, cujos salários só fazem crescer, enquanto a maioria trabalha mais e ganha menos, num sintoma de infecção da sociedade americana -um espelho para o Brasil.
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Até pouco tempo, os CEOs eram vistos como empreendores, heróis até, quando, com seu talento, recuperavam empresas no buraco, salvando empregos. Sua transformação em marajás frios e impiedosos dá a exata medida medida da angústia da sociedade americana.
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Apenas em janeiro deste ano, as grandes empresas anunciaram a demissão de 100 mil pessoas, a maioria delas com salários acima de US$ 5 mil por mês.
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A angústia é provocada é provocada por uma aparente contradição. A economia não pára de crescer, a produtividade atinge picos desconhecidos, as cotações das empresas das bolsas de valores exibe recordes.
Mas o salário não cresce, e piora a distribuição de renda, em meio a uma brutal e traumática rotatividade da mão-de-obra, enfrentando uma enlouquecida velocidade de inovações tecnológicas.
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Os CEOs, entretanto, nunca ganharam tanto, o que, natural, é um ótimo motivo para se tornarem os bodes expiatórios. É ilusão, manipulada por políticos na busca de saídas fáceis.
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Os políticos não falam, mas sabem. Se não sabem, deveriam saber. Numa economia de mercado, globalizada, cada vez mais competitiva, o papel dos governno é limitado contra o desemprego.
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De Fernando Henrique, passando por Brizola e Lula, todos vendem a imagem de que têm uma fórmula contra o desemprego. Ilusão: desemprego, em boa parte, se deve às forças do mercado incontroláveis.
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No Brasil, passam uma idéia falsa de que se pode acabar com o desemprego como se acaba com inflação. Mentira: a inflação depende apenas do governo
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Compreensível os políticos não admitirem que o poder público tem papel, mas é limitado. Além de assegurar regras estáveis da economia para estimular o investimento, o governo deveria criar colchões para amaciar a queda.
O Brasil nem oferece ainda, de fato, regras estáveis nem amacia a queda com seguro-desemprego, bom ensino básico para formação profissional ou cursos de reciclagem.
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Passei os últimos três dias no Brasil, onde atualizei meu repertórios de intrigas da Corte.
Várias fontes me informaram que Fernando Henrique pensa num ampla reforma ministerial, preparando-se para uma segunda etapa da administração, depois das eleições municipais.
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Reclama que seus ministros não defendem como gostaria seu governo, encolhem-se diante das pancadas -esta crítica atinge seu núcleo de decisão econômica, José Serra e Pedro Malan.
Não está satisfeito com a dupla e, em comentários reservados, já deixou escapar eventuais nomes para uma eventual substituição.
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Está especialmente irritado com a briga pública entre José Serra e o diretor do Banco Central, Gustavo Franco.
Serra telefona para Fernando Henrique queixando-se do diretor do BC.
O presidente já enviou um recado a Serra: um ministro não deveria duelar publicamente com um figura do segundo escalão.
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Segundo a expectativa de Fernando Henrique, a direção do Banco Central será mudada, tão logo acabe a novela dos bancos.
O presidente acha que o pessoal do Banco Central fala demais; quer gente mais reservada e com menos contato com jornalistas.
Suspeita que, nos contatos, vazem informações sigilosas.
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Na reforma dos sonhos do presidente, saem também José Eduardo Andrade Vieira e Dorothea Werneck.
A articulação política ganharia status. Alguém com cargo de ministros cuidaria da relação com o Congresso, aliviando Fernando Henrique do desgaste.
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Merece uma CPI sobre como o governo, auxiliado pelos banqueiros e seus lobistas, evitou uma CPI. Como se vê, o dinheiro usado em campanhas eleitorais é um investimento de retorno garantido.
Voltei ontem a Nova York com a sensação de que fui lesado e vou continuar a ser lesado.
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Gostaria de ver o governo ter tanto empenho em salvar vidas, reduzindo a mortalidade infantil, como teve para salvar bancos. Aviso: com um décimo da ajuda aos bancos, em cinco anos pelo menos 30% das 115 mil vidas perdidas anualmente seriam poupadas.
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PS - Boa notícia e bom exemplo que vi nos três dias no Brasil. Num projeto do médico paulista Raul Cutait, do Hospital Sírio-Libanês, um grupo de médicos voluntariamente está montando uma operação para ajudar municípios a reduzir a mortalidade infantil.
Vai transmitir experiências brasileiras bem-sucedidas aos secretários para inspirar prefeitos e secretários de saúde.

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