São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Homo brasiliensis

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Não chega a ser amigo próximo. É mais um companheiro de trabalho, pessoa educada, cordial e bem-sucedida. Nasceu pelo interior, Goiás ou Mato Grosso, vive, mora e reina em Brasília há tempos. É o típico "homo brasiliensis". Dele guardo uma frase que me horrorizou e deu um azar nacional.
Nas vésperas da posse de Tancredo Neves, um telefonema de dona Antônia convidou-me, em nome de Tancredo, para um jantar íntimo. Agradeci e disse que não iria (o jantar foi cancelado logo depois, Tancredo estaria gripado).
Nesse meio tempo, o amigo brasiliense soube de minha recusa e me ligou dez vezes, insistindo para que eu fosse. E pronunciou a frase fatal: "O poder embeleza!"
Senti um frio na espinha. Nunca pensara nesses termos e, ao contrário do colega, achava e acho que o poder geralmente enfeia e deforma o ser humano. Vai daí, houve a crise da doença presidencial, a posse de Sarney. O colega tancredista (que antes havia sido íntimo de Figueiredo e Geisel, cada um em seu tempo), tornou-se sarneysista e espalhou que era maranhense de nascimento e carteirinha. Acho que chegou a viajar com Sarney numa dessas idas oficiais à ONU ou entidade equivalente.
Veio Collor e até uns 15 dias antes do impedimento ele garantia que Collor daria um golpe de mestre nos adversários, que a tropa estava do lado dele. Com Itamar ele virou mineiro honorário e botou um profeta do Aleijadinho (réplica horrível) na entrada de sua mansão brasiliense.
Atualmente, ele não é fernandista modelo 1996. É fernandista modelo 1998 e anos seguintes. Cruzei com ele num aeroporto, perguntei como iam as coisas em Brasília. Considera Sarney um morto que se esqueceu de ir para o túmulo. Itamar é um fantasma que nunca existiu. O Brasil também não existe para ele. Só Brasília existe. Para ser exato: só FHC existe. O resto só atrapalha.

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