São Paulo, domingo, 24 de março de 1996
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Serviço civil e cidadania

NELSON JOBIM

Não são poucas as nações modernas que têm procurado utilizar a mão-de-obra daqueles que se recusam a prestar o serviço militar obrigatório (recusa de consciência) na consecução de objetivos sociais altamente elevados.
São eles colocados à disposição de creches, asilos, hospitais, entidades de defesa civil, iniciativas de proteção do meio ambiente e outras, prestando uma variada gama de serviços necessários à comunidade.
É possível que o melhor exemplo desse tipo de serviço civil seja fornecido pela República Federal da Alemanha, que consagrou esse instituto no art. 12a da Lei Fundamental de Bonn, de 1949. Observe-se, a propósito, que no ano de 1990 cerca de 90 mil jovens prestavam o serviço civil naquele país.
O que desejamos colocar em discussão tem escopo mais amplo, pretendendo criar, entre nós, as bases para a instituição de um outro serviço obrigatório, o serviço civil.
O serviço civil poderia absorver, na medida de suas possibilidades, um grande número de jovens que, por razões conhecidas, não pode ser aproveitado, ainda que temporariamente, nas fileiras das Forças Armadas.
Essa idéia contempla ainda a possibilidade de que se convoquem para o serviço civil as mulheres e os eclesiásticos, que serão constitucionalmente dispensados do serviço militar em tempos de paz.
É fácil ver, outrossim, que, tal como ocorre na República Federal da Alemanha, esse serviço, por sua natureza especialíssima e diferenciada, não teria custo elevado. Tal como apontado, o serviço poderá ser prestado em instituições sociais diversas, dispensando a necessidade de criação de instituições especiais, construção de alojamentos, abrigos ou o desenvolvimento de órgãos especiais de administração e controle.
Ressalte-se que a própria manutenção da instituição poderá ser assegurada, em grande parte, pelas instituições inseridas no âmbito de ação do serviço civil. Em outras palavras, o hospital, a creche, a prefeitura municipal, os serviços sociais estaduais ou federais, enfim, a instituição mantenedora da atividade à qual estará vinculada diretamente o agente do serviço civil poderia ficar responsável, direta ou indiretamente, pela sua retribuição.
Não é preciso dizer que as condições sociais em que se encontra o Brasil oferecem um amplo campo de ação para o agente do serviço civil nas áreas de assistência social, saúde, educação, defesa civil, proteção do meio ambiente, defesa da população indígena, defesa do consumidor.
Em todos esses campos a atuação do agente haveria de ser extremamente benfazeja. Ele haveria de atuar como um instrumento de integração do Estado e da sociedade civil na superação de graves problemas sociais.
"Last but not least", o serviço civil poderia ter uma atuação valiosíssima no âmbito da defesa e da educação para a proteção dos direitos humanos. A ele caberia a tarefa de contribuir diretamente na organização de ações em defesa dos direitos humanos.
Tal como concebido, o agente do serviço civil seria, em verdade, um agente dos direitos humanos.
Parece evidente, pois, que, a despeito de sua simplicidade, essa idéia poderá constituir em instrumento verdadeiramente revolucionário de construção de um Estado de Justiça Social.

Nelson A. Jobim, 48, é ministro da Justiça. Foi deputado federal pelo PMDB do Rio Grande do Sul e relator da revisão constitucional.

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